DÚVIDAS

Sobre a substantivação

Em aulas de gramática, especialmente de morfologia, costuma-se explicar o processo de substantivação principalmente com o uso de artigos (definidos ou indefinidos). No entanto, considerando que os substantivos podem ser determinados por outras classes de palavras nominais, como pronomes, adjetivos e numerais, seria correto dizer que esse processo também pode ocorrer por meio deles?

Por exemplo, em uma frase como «Naquele momento, Maria lançou estonteante olhar ao seu amado, o qual, também a fitava apaixonado», o substantivo olhar é determinado pelo adjetivo estonteante

Isso leva a uma nova questão: estaria esse adjetivo funcionando como um simples determinante do substantivo ou como uma espécie de determinante substantivador? Ou, neste caso, ambas as classificações se aplicariam igualmente?

Em síntese, ainda que essa questão mostre-se elementar, ela tem me inquietado.

Desde já, agradeço qualquer esclarecimento.

Resposta

A substantivação insere-se num processo de formação de palavras designado como derivação imprópria, ou, mais recentemente, conversão.

Todas as gramáticas e dicionários consultados, quando inserem exemplos, recorrem, efetivamente, aos artigos, quer definidos, quer indefinidos. Além disso, seja qual for a classe a que pertence a palavra sujeita a um processo de conversão, ela suporta a anteposição de um artigo.

Poderemos, pois, dizer que a anteposição de um artigo, definido ou indefinido, permite identificar todos os processos de conversão em que a classe final, ou de chegada, seja o substantivo, ou nome. Seguem-se exemplos retirados de um artigo de Daniela Otsuka. O sublinhado é nosso.

(1)    O andar de Regina era triste.
(2)    O não sem explicação se torna pesado.
(3)    Daniel exclamou um oh muito triste.

Por outro lado, Vânia Duarte afirma «- Não devemos confundir substantivos acompanhados de artigos com palavras substantivadas, uma vez que nesse último caso o artigo tem a função de modificá-las, e não de acompanhá-las, determinando-as.»

Ao analisar a frase que submete a apreciação,

(1)    «Naquele momento, Maria lançou estonteante olhar ao seu amado, o qual, também a fitava apaixonado»

importa ter em conta que, sendo falantes da variante europeia do português, podemos incorrer em alguma falha. Isto, porque, à primeira vista, diríamos que a frase carece de um artigo indefinido:

(1.1)    Naquele momento, Maria lançou um estonteante olhar ao seu amado, o qual, também a fitava apaixonado.

Se esse artigo fizer mesmo falta, como nos parece, então o processo de substantivação corresponde ao que os gramáticos descrevem e um será, seguindo Vânia Duarte, citada acima, não um determinante, mas um modificador.

Por outro lado, recorrendo à descrição em dicionários, por exemplo no Priberam, podemos encontrar para determinante:

«Determinante: 1. Que determina. 2. [Gramática] Palavra que geralmente precede um nome, constituindo com ele um sintagma nominal e o actualiza no enunciado (…).

Se, em vez de determinante procurarmos determinativo veremos:

«Determinativo: 1. Que determina. 2. [Gramática] Que restringe a significação de um nome a determinada relação de posse, lugar, etc. (Diz-se em oposição a qualificativo.)»

Determinativo tem, no Dicionário Houaiss, descrição semelhante:

«Adjt. que ou o que determina (algo)1- GRAM Ling que ou o que restringe, torna mais preciso, o alcance do significado do substantivo […]. Adjt GRAM TRAD obsol. 2 que está junto de um substantivo, determinando-o […] (adjetivo d.), p. opos. a qualificativo.»

Parece-nos, assim, relevante que os estudos se centrem nos artigos, pois eles permitem identificar todos os casos de substantivação, seja qual for a classe original e central da palavra substantivada.

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