DÚVIDAS

Sobre ahn, cernachense, côa e pêra

O meu amigo Pedro Costa Ferreira enviou-vos uma série de questões relacionadas com o Acordo Ortográfico de 1990 (AO1990). As vossas respostas têm servido diversas vezes para esclarecer pontos em que discordávamos.

No entanto, algumas (uma minoria) das vossas respostas recentes deixaram a desejar...

Ahn. Em em relação a uma pergunta sobre a palavra ahn contida no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (VOLP) da Academia Brasileira de Letras (ABL), V/ afirmaram que: «A ABL é soberana na adopção das variantes adequadas à sua comunidade linguística.» Ora, a ABL não é soberana coisa alguma. A ABL é legalmente obrigada a respeitar as leis brasileiras, e o AO1990 é atualmente lei brasileira. A ABL talvez (é mesmo só talvez) tenha autoridade para interpretar o AO1990 no Brasil, mas não tem autoridade para o desrespeitar. O vocábulo ahn claramente desrespeita o AO1990. Talvez desrespeitasse também regras anteriores ao AO1990, mas não é essa a questão em disputa.

Sernachense. Na mesma pergunta V/ responderam que «a forma "sernachense" não [é] aceite em português europeu». Errado. Errado porque o AO1990 e AO1945 aceitam grafias arcaicas de firmas, nomes e designações comerciais em determinadas situações. A grafia de Grupo Desportivo Vitória de Sernache é portanto correta, ainda que o topónimo seja Cernache. Logo os adeptos do dito clube são "sernachenses", ainda que passem a ser cernachenses quando sejam habitantes de Cernache.

Côa. Aqui afirma-se que «Não há nada no novo AO que recuse o acento em Côa». A bem dizer, nada há de novo que estabeleça esse acento. Porque o AO1990 simplesmente estabelece regras; não indica as regras ortográficas precedentes que são alteradas. Não havendo — na vossa opinião — regra alguma no AO1990 que sugira haver acento em coa, tal acento não deve ser utilizado. Mas essa v/ resposta contém mais erros. Primeiro porque o AO indica efetivamente que «prescinde-se de acento gráfico para distinguir palavras oxítonas homógrafas, mas heterofónicas...». Claro que isto também se aplica a coa. Além disso, o encarte de correções que a ABL fez circular após a publicação do VOLP indica explicitamente que se escreve coa e não mais côa.

A vossa resposta parece também sugerir que o texto do AO não se esclarece o que fazer com pera/pêra, pêro/pero, «não obstante também NÃO figurarem [...] no texto do novo AO». Novo erro. Parece que estes casos estão cobertos pelo texto do AO1990 quando este afirma: «Prescinde-se, quer do acento agudo, quer do circunflexo, para distinguir palavras paroxítonas que, tendo respetivamente vogal tónica aberta ou fechada, são homógrafas de palavras proclíticas» e «prescinde-se igualmente de acento gráfico para distinguir paroxítonas homógrafas heterofónicas».

Gratos pelo vosso trabalho. É o respeito que tenho pela vossa atividade que me leva a salientar estas imprecisões. Se for eu a estar errado, os vossos esclarecimentos são bem-vindos.

Resposta

Respondo ponto por ponto às suas observações.

Ahn

É a ABL quem estabelece lei na língua no Brasil, como afirmei. Não adianta que não aceite esse direito da ABL.

Eu não disse que concordava com o h interior em ahn. Mas também não concordo com o “coerdeiro” da ABL, e ele lá está no VOLP do português do Brasil (PB). Serão formas brasileiras que nós, portugueses, não temos o direito de condenar, a não ser no fa{#c|}to de contrariarem o acordo de 1990. Espero que um vocabulário para o português europeu tenha soluções mais do meu agrado, e atendendo a que a atitude da ABL levantou um precedente, para nós também não respeitarmos o acordo em tudo.

Sernachense

Em Rebelo Gonçalves, 1966 (ainda a referência de todos os a{#c|}tuais vocabulários para o português europeu), não existe o registo Sernache. Segundo o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, o regist{#|r}o de Sernache para Cernache remonta ao século XV. É natural que tenha perdurado, mas tem de aceitar que nos nossos tempos está desadaptada a designação do clube em relação à do nome da sua região.

Na minha resposta referia-me a gentílicos, não a adeptos dum clube. Mas, mesmo considerando só os adeptos, é natural que um benfiquista tenha uma designação relacionada com o local onde o clube se situa e que menciona na sua própria designação; idem para o neologismo "portista" (mais abrangente que portuense).

Mas aceito que os adeptos dum clube de Cernache queiram ser "sernachenses". Quem sou eu para os proibir de respeitar a sua história?

Côa

Ignorava que existe uma nota da ABL corrigindo o côa que está no seu VOLP para coa. Se o fez, é aquilo que defendo, como disse na minha resposta. Vou tentar obter uma cópia desta nota.

A argumentação que usou para obrigar a ABL (3.º da Base VIII) não obrigava taxativamente. Repare que presentemente já havia uma regra semelhante à que menciona (Base XXII: cor ¦ô¦ e cor ¦ó¦, ) e, no entanto, se mantinha a excepção côa. Foi abusivo da sua parte dizer que eu errei.

Pera, pero

Volta a ser abusiva a sua afirmação de que errei. As regras que indica (9.º e 10.º da Base IX) não obrigam também taxativamente que pêra e pêro deixem de ter acento. Se a supressão era geral no 9.º, bastava um ou dois exemplos; se se pormenorizou, não se compreende que tenha ficado um caso esquecido. Além disso, o novo AO tem pôde e pode, forma e fôrma, como excepções, o que deixa dúvidas. Pêra e pêro têm tido até hoje acento para não se confundirem com palavras caídas em desuso. Ora, se em pólo se retirou o acento porque se entendeu não considerar a palavra antiga correspondente, conclui-se que se fará o mesmo com pêra e pêro (foi o que fez a ABL no seu VOLP PB), não porque isso esteja claro no texto do novo AO.

Ao seu dispor para outros assuntos,

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa