DÚVIDAS

Crítica ao Dicionário Terminológico no contexto pedagógico em Portugal

Chegou a hora de dar a forma passiva das frases aos meus alunos do 6.º ano.

Procurei o descritor respetivo no novo programa e encontrei:

• Transformar frases activas em frases passivas e vice-versa (8).

Dado que a gramática é conhecimento explícito da língua, o descritor final não deveria ser este. Distinguir forma e conteúdo da frase seria mais adequado, uma vez que é disso mesmo que se trata: entre a voz ativa e a voz passiva, muda a forma, mas o essencial da mensagem permanece.

Procurei o conteúdo no novo programa e encontrei:

• Tipos de frase (Dicionário Terminológico B.4.3)

Frase activa, frase passiva

Deveremos concluir, desta apresentação, que o novo programa considera frase ativa e frase passiva como tipos de frase?!... De facto, o Dicionário Terminológico (DT) inclui tudo na mesma lista, não falando sequer em formas de frase, neste capítulo!... A ser assim, apelamos para que se esclareça o assunto, o mais rapidamente possível, dado que todos sabemos que os tipos se excluem mutuamente, enquanto as três formas (afirmativa/negativa, ativa passiva, normal/enfática) estão sempre presentes em qualquer tipo, embora disjuntivamente. São, portanto, categorias diferentes. Para confundir ainda mais a questão, o DT atira com o valor afirmativo ou negativo da frase (polaridade) para o mesmo rol da predicação e da referência, quando estas são de natureza sintática e aquela é de natureza puramente semântica.

Procurei em (DT B. 4. 3) e encontrei:

• Frase passiva Construção em que participam alguns verbos transitivos directos, transitivos directos e indirectos ou transitivos predicativos, na qual o constituinte interpretado como complemento de uma relação de predicação é realizado como sujeito, sendo o verbo conjugado numa forma composta, com o auxiliar ser.

Temo que esta definição, descritiva e complexa, não sirva de muito a um aluno do 2º ciclo. Não seria mais claro e útil definir a frase passiva como sendo aquela em que, ao contrário do habitual, não é o sujeito que pratica a ação, mas um elemento do predicado, que, por isso mesmo, se chama agente (da passiva)?

Resumindo e concluindo:

• não há o necessário rigor;

• não há a necessária adequação;

• inevitavelmente, não há a necessária formação dos alunos.

O DT, como já notámos a respeito de outros conteúdos e continuaremos a notar a respeito de outros ainda, é um caos! É grande a nossa responsabilidade. Que cidadãos estamos nós a formar?! Se não tivermos a coragem de questionar e rever estes assuntos, que será feito dos nossos netos?!

Alguém tem de dar um murro na mesa. A minha está muito longe dos centros de decisão. Por isso, apelo, aqui, neste fórum, patrocinado pelo ME, para que alguém o faça.

Entretanto, com a inocência da criança da história, vou gritando que “o rei vai nu”…

Resposta

Aqui fica registada mais uma reflexão deste nosso consulente.

Não obstante, convém clarificar alguns pontos aí abordados:

— Quando se pratica o exercício de transformação da ativa para a passiva ou vice-versa, a intenção é mesmo a de mostrar que as duas construções têm significados frásicos semelhantes, ainda que não idênticos (há sempre a possibilidade de omitir o agente, o que tem consequências semânticas).

— O Dicionário Terminológico associa efetivamente a forma passiva e ativa da frase aos tipos frásicos — associação que não é consensual. Contudo, referência e predicação não são, mesmo fora do âmbito do DT, termos que designem noções de natureza sintática. Consultando João A. Peres e Telmo Móia, nas Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 20), considera-se que «[...] uma predicação é uma estrutura linguística do plano semântico por meio da qual são veiculadas informações acerca de objetos do real». Quanto a referência, define-se esta como «a relação que existe entre uma expressão linguística e os indivíduos ou objectos que designam ou identificam» (Dicionário de Termos Linguísticos, organizado por Maria Francisca Xavier e Maria Helena Mateus, Lisboa, Edições Cosmos, 1990 e 1992).

— O DT não se destina ao uso dos alunos nem dá aos professores pistas de transposição didática dos conceitos e termos gramaticais.

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