«O jornal Público, que é dos únicos jornais que ainda se podem ler, tem vindo a desapontar numa área que é crucial. Falo da ortografia, que tem vindo a ser descurada pelos senhores jornalistas nos últimos tempos. Julgo ser fácil apontar os motivos que a fazem uma área crucial. Simplesmente o jornal é uma publicação impressa ou "digital" mas que é lida e para além de ter um papel informativo tem também um papel educativo.
Portanto, penso que os jornalistas ou quem quer que esteja responsável pela redacção dos artigos devia ser mais responsável nesta área.
Tenho visto erros até em cabeçalhos de notícias, o que para mim é inconcebível. N sou maniako da ortografia m axo q nalgumas coisas ha q ter atencao e fazer por fazer bem. Xau ai e coiso e tal... hasta :), conclui Fred Lixo.»
O leitor cibernauta tem razão, apesar do último parágrafo.
«Sou um fiel leitor do "Público", desde a primeira hora e é com grande pesar que noto que esse jornal voltou a ser atacado pelo vírus dos erros ortográficos e gramaticais.
Há uns anos, durante uns tempos, foi frequente e entristecedor a quantidade de erros ortográficos que esse jornal apresentava, depois o problema (quase) desapareceu. Agora voltou a atacar.
Reporto exemplos recentes:
Da edição de 3 de Abril, página 9, vinha escrito "enchame" (em vez de "enxame") duas vezes, uma em destaque e a seguir mais abaixo no texto do artigo.
Dessa mesma edição aparecia "pião" (em vez de peão).
Da edição de ontem, página 66 do caderno "Local", lia-se em título «Em Odivelas ajuda-se os mais carenciados lavando-lhes a roupa", quando a partícula apassivante se obriga à concordância da pessoa verbal pelo que se deveria dizer «Em Odivelas ajudam-se os mais carenciados...»
Com todas as ajudas de correctores automáticos postas à disposição de quem tem por missão escrever, os erros ortográficos e gramaticais tornam-se ainda mais grosseiros e desrespeitadores para com o público leitor.
Espero que esta seja uma doença passageira porque eu gostaria de continuar a ter orgulho em ser leitor desse jornal», escreve Fernando Lemos de Caxias.
O provedor só pode concordar com as afirmações do leitor.
«Gostava de sugerir-lhe, se assim o entender, que fizesse chegar à redacção os comentários dos leitores sobre questões de Língua Portuguesa.
Não há dia que passe sem que eu veja corroborada a minha tese, digamos, sobre o mais recente uso do verbo "suportar" na nossa língua. É muito inglês para quem disso pouco sabe. Há um enorme défice de formação contínua na Língua Portuguesa no seio de uma profissão que dela se serve como principal instrumento de trabalho. Por outro lado, num mundo que fala cada vez mais em Inglês, é de bom senso elementar promover competências de tradução junto dos e das jornalistas. Se calhar é pedir muito. Talvez assim se evitasse a repetição de erros como, por exemplo, "reescrever".
Na edição de 30 de Março, podemos ler o seguinte título (citação) na página 16: «O país já não suporta Benjamin Netanyahu». Só com extraordinária dose de complacência podemos aceitar ler, na sequência da derrota do Likud, que o "país" deixou de apoiar a pessoa em causa. O que está escrito nesse título, em primeiríssimo lugar, é que o "país" já não o pode ver nem morto. Já não está para o aturar, quer vê-lo pelas costas, etc., etc.
Assim como, nos jornais, toda a gente "acredita", agora tudo é para "suportar" ou é "suportado". Confesso que é preciso paciência. Para suportar tal coisa, claro», escreve Fernando Gonçalves da Praia da Tocha.
Mais um reparo pertinente.
«Continua a chocar-me que a maioria da imprensa escrita e a quase totalidade da imprensa falada se mostre incapaz de distinguir os chamados verbos abundantes daqueles que o não são. Erro frequentíssimo que reflecte esta ignorância é o de utilizar "morto" como único particípio passado do verbo "matar". Neste aspecto não erra o "Público", mais do que outros jornais, rádios ou televisões. Mas a sua responsabilidade como jornal de referência deve fazer dele o primeiro alvo desta crítica. Assim, como mero exemplo desse erro quase omnipresente, cito o artigo de Carolina Reis sobre a libertação dos presos de Peniche, na edição de 2 de Abril. Diz a autora que três dos presos "tinham morto um delator". Mais adiante fala do assalto ao Santa Maria, "onde tinha sido morto um tripulante da PIDE". A autora errou no primeiro caso e acertou no segundo. Para a voz activa, o particípio de "matar" é "matado", e portanto devia ter dito que os três presos "tinham matado um delator". Para a voz passiva, o particípio é "morto", portanto fez bem em dizer que o pide do Santa Maria "tinha sido morto"», propõe Elsa Sertório de Lisboa.
A leitora tem razão.
«São cada vez mais habituais os erros ortográficos nos jornais e não só... No "Público" de dia 6 de Abril aparece escrito "de mais", quando deveria ter sido escrito "demais", já que o significado é equivalente a "demasiado" ou "demasiadamente".
Como este é um erro recorrente e comum à maioria da população, não ficaria mal ao "Público" dar algum destaque pedagógico/didáctico ao assunto. A menos que agora, nesta cultura de massas, já só interesse mesmo o conteúdo, desvalorizando-se a forma...», afirma Luís Leite de Lisboa.
É óbvio.
Pedi um esclarecimento ao director do "Público".
«Idealmente não deveriam existir erros de português, mesmo considerando que por vezes há formulações que alguns leitores consideram erradas mas que já são aceites por linguistas. Noutros casos há polémica sobre a melhor construção (sucede muitas vezes com as concordâncias). Contudo há erros indiscutíveis que se mantêm teimosamente. A explicação é simples: erro humano. Se nenhum programa informático detecta todas as gralhas, muito menos os erros de português. A sua ocorrência deriva quer de lapsos, quer de cortes mal executados, quer também de ignorância pura e dura.
Antigamente os jornais possuíam uma bateria de revisores, mas tal era no tempo em que o jornalista escrevia à mão ou na máquina de escrever e estes dedicavam-se sobretudo a "catar" gralhas. Com os computadores o texto do jornalista pode ir directamente para página. A regra no "Público" é que não vá, devendo passar antes pela revisão/edição do responsável da secção e, depois, quando possível, pela equipa de “copy-desks”. Estes, contudo, têm responsabilidades mais alargadas do que os antigos revisores – podem intervir na construção das frases, por exemplo, ou mesmo sugerir alterações mais profundas –, mas a equipa que temos no jornal não consegue ver todos os textos. Mesmo assim, apesar destas três redes (jornalista, editor, “desk”) há demasiados erros que escapam.
Pessoalmente não sinto que o jornal tenha hoje muito mais erros de português do que no passado. O que pode suceder é que a rotação normal das equipas faça com que os jornalistas que escrevem com menos qualidade possam estar em secções mais lidas numa certa altura, o inverso podendo ocorrer noutros momentos. No caso concreto dos erros de português não atribuo a responsabilidade à diminuição do número total de "desks", até porque ocorreram muitas melhorias no fluxo das notícias e melhorias informáticas que hoje permitem que se cometam à partida menos erros do que no passado. Ainda há dias tive de consultar edições antigas e assustei-me com alguns dos erros que encontrei. E se caminharmos ainda mais para trás, para os anos 80 e para os anos 70 (antes do no "Público"), penso que não é prosápia afirmar que na maior parte das publicações havia então muito menos cuidado do que hoje. Mas também a exigência dos leitores era menor – e ainda bem que hoje é maior.
Exigir sempre mais e mais rigor. A alternativa – reforçar a equipa de “desks” – não nos parece ser, face ao equilíbrio geral dos nossos recursos, a aposta correcta. O que se deve exigir é que o jornalista comece por escrever correctamente e o editor por rever correctamente. Para além disso há algumas rotinas de verificação informática que estão a ser criadas e que são mais perfeitas do que as actuais a detectar erros de construção gramatical. Vai ajudar, mas não resolve tudo. Em última análise a qualidade dos textos depende do talento e rigor de quem os escreve», respondeu José Manuel Fernandes.
Os jornalistas cometem erros de palmatória que fariam empalidecer os alunos de uma 4.ª classe do antigamente.
José Manuel Fernandes não sente que o jornal tenha mais erros de português, mas alguns leitores pensam o contrário. O provedor, por falta de outros e melhores instrumentos científicos, vê-se, portanto, obrigado a acreditar no "palpitómetro", um sistema de aferição inventado pelos portugueses. Os erros de português não são um problema exclusivo do "Público", são (infelizmente) um sinal dos tempos. E dos jornalistas que temos...
in Público de 7 de Maio de 2006, na coluna O Provedor dos Leitores, sob o título “Mudam-se os tempos”