DÚVIDAS

ARTIGOS

Antologia // Portugal

Coágulo do Tempo


Apreender com as palavras a substância mais nocturna
é o mesmo que povoar o deserto
com a própria substância do deserto
Há que voltar atrás e viver a sombra
enquanto a palavra não existe
ou enquanto ela é um poço ou um coágulo do tempo
ou um cântaro voltado para a sua própria sede
Talvez então no opaco encontremos a vértebra inicial
para que possamos coincidir com um gesto do universo
e ser a culminação da densidade
Só assim as palavras serão o fruto da sombra
e já não do espelho ou de torres de fumo
e como antenas de fogo nas gretas do olvido
serão inicialmente matéria fiel à matéria.

António Ramos Rosa

Fonte in O Livro da Ignorância, 1988
ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa