DÚVIDAS

Orações subordinadas substantivas («a interpretação é a de que...»)

Minha dúvida é em relação a frases do tipo: «A interpretação do governo é a de que as novas medidas não irão causar aumento da inflação.» «A explicação do ministro é a de que os novos impostos são necessários.» «A dedução do partido foi de que o projeto inviabilizará as próximas eleições.»

1) Entendo que as orações iniciadas com que são subjetivas, sendo as orações iniciais o predicativo do verbo ser. Está certa esta interpretação? Há outra possível?
2) Seguindo o meu raciocínio, os termos a de nos dois primeiros exemplos e de no último estão sobrando, pois não cabem ao se inverter a ordem das orações: «Que as novas medidas não irão causar aumento da inflação é a interpretação do governo»; «Que os novos impostos são necessários é a interpretação do ministro»; «Que o projeto inviabilizará as próximas eleições foi a dedução do partido».
3) Diferentes são os casos seguintes:
«A interpretação do governo de que as novas medidas não irão causar aumento da inflação foram rebatidas pelos economistas.»
«A explicação do ministro de que os novos impostos são necessários não foi aceita pelo Congresso.»
«A dedução do partido de que o projeto inviabilizará as próximas eleições não tem cabimento.»
Nestes casos, entendo as orações iniciadas com que como completivas nominais, e, portanto, aqui, cabe a preposição de. Desde já, agradeço pela paciência e atenção, parabenizando esse ótimo site/sítio de consulta da língua portuguesa.

Resposta

As subordinadas introduzidas pela conjunção integrante que são classificadas por Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo,  1984, p. 596/597 e 607/608) como orações subordinadas substantivas. Estas orações podem também ser construídas com o verbo no infinitivo,  sem conjunção. Neste caso, e assumindo a sua gramaticalidade, as frases incluídas na pergunta terão a seguinte forma: «a interpretação do governo é a de as novas medidas não irem causar aumento da inflação»; «a explicação do ministro é a de os novos impostos serem necessários»; «a dedução do partido foi a de o projeto inviabilizar as próximas eleições.»

Dentro das subordinadas substantivas com o verbo em tempos finitos, os referidos gramáticos distinguem, entre outras, as subordinadas substantivas subjectivas (com a função de sujeito) das predicativas (com a função de predicativo do sujeito). As primeiras surgem depois de uma expressão impessoal como é certo, é verdade; ex.: «É verdade que as novas medidas não vão causar aumento da inflação.» O segundo tipo ocorre depois de uma sequência constituída por expressão nominal e o verbo ser. A expressão nominal é formada por um determinante, um nome, eventualmente seguidos de complemento, como a verdade ou a opinião do ministro; ex.: «A verdade/opinião do ministro é que as novas medidas não vão causar aumento da inflação.»1

Deste modo, à luz da análise de Cunha e Cintra, as orações iniciais («a interpretação do governo é»; «a explicação do ministro é»; «a dedução do partido foi») das frases apresentadas na pergunta não são o predicativo de ser mas sim o seu sujeito.

Contudo, João Peres e Telmo Móia (Áreas Críticas da Língua Portuguesa, Lisboa: Editorial Caminho, pág. 125) consideram que, em frases do tipo em discussão, a segunda oração é também o sujeito, tal como acontece com as expressões é certo, é verdade:

«[existem estruturas] em que a oração finita funciona como sujeito, sendo, por  isso, obrigatoriamente não preposicionada (o asterisco indica agramaticalidade):

(442) A única certeza que o Paulo Tinha era que o Luís o iria ajudar.

(443) *A única certeza que o Paulo tinha era de que o Luís o iria ajudar.»

Mais explicam estes linguistas (págs. 124/125) que  a preposição é obrigatória, quando «[...] o nome que selecciona o argumento em causa não está realizado, sendo substituído por um elemento nulo adequadamente associado a um antecedente: Vejam-se exemplos:

(438) A única certeza que o Paulo Tinha era a [] de que o Luís o iria ajudar.

(439) *A única certeza que o Paulo tinha era a [] que o Luís o iria ajudar.»

Por conseguinte, nas frases apresentadas pelo consulente, só a terceira, a que inclui apenas de, deve ter as seguintes reformulações:

(i) «A dedução do partido foi que o projeto inviabilizará as próximas eleições.»

(ii) «A dedução do partido foi a de que o projeto inviabilizará as próximas eleições.»

Comparando (i) com (ii), vê-se que é aceitável a inserção a de.

Quando se inverte a posição da subordinada, deslocando-a para o início da frase, não é possível usar a de, porque esta expressão requer um antecedente (como «A interpretação do governo é a de…», «A explicação do ministro é a de…» e «A dedução do partido foi a de…»); ou seja, a de retoma, em cada frase, «A interpretação», «A explicação» e «A dedução». Não havendo termo antecedente, as expressões não são usadas.

Finalmente,  quanto às frases indicadas na secção 3) da pergunta, trata-se, com  efeito, de completivas nominais, porque são complemento de expressões nominais e, como tal, de é a preposição que as introduz, ligando-as aos substantivos interpretação, explicação e dedução.

1 Note-se que, nos exemplos da pergunta, os complementos nominais («do governo», «do ministro» e «do partido») ligam-se por preposição aos substantivos «a interpretação», «a explicação» e «a dedução»; sobre as particularidades destes complementos, ver op. cit., p. 141.

 

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