DÚVIDAS

Ensino e apoio à distância

Sobre a utilização mais correcta de: "ensino" e "apoio" (…) à/a distância, em tempo dirigi uma pergunta "telegráfica" ao Ciberdúvidas que, por sua vez, a remeteu para um espaço de reflexão onde a dúvida, paradoxalmente, cresceu. Passo a transcrever os exemplos dados como ilustração do uso mais correcto das situações em epígrafe:

"cursos por correspondência" e "trabalhos de casa". Com estas duas utilizações da língua (e uma outra que remete para áreas de "entregas ao domicílio e de publicidade" Vd Tema: A distância/À distância), estaria resolvida a questão.

Lamento insistir, mas pelos exemplos apresentados, que me parecem pertencer a interpretações diferentes, aumentou a minha necessidade de reflexão partilhada.

E outras dúvidas vieram por simpatia. É o caso de: transmissão; acção; formação; comunicação; intervenção; visão; manutenção; controlo (…) "à/a distância". Julgo que os livros têm utilizado a contracção "à", para falar de comunicação à/a distância desde os mais ancestrais sinais de fumo até à actual tecnologia…

As duas utilizações poderão estar correctas, mas eu não gostaria de ter esta dúvida/insegurança. É claro que conteúdos não devem ser sacrificados pela forma, pela sonoridade, mas esta questão (porque "À" tem mais vida e me parece, psicologicamente, soar mais distante) trouxe-me à memória João de Barros, um avô (se Camões é o pai…) da Língua Portuguesa, que afirmava (não recordo a fonte) que o nosso idioma, sendo um dos mais ricos, era materializado sem alma. O problema estava no falante que lhe atrofiava e mutilava os sons, retirando-lhe o ritmo, a cadência, em suma: a expressividade.

Com toda a consideração que a equipa do Ciberdúvidas merece pelo trabalho inestimável que está a prestar à "formação ao longo da vida" de quem se questiona neste vasto Património das palavras, gostaria, se possível, que fosse o meu estimadíssimo Professor José Neves Henriques, a dialogar com os contextos que constituem esta mensagem, segundo o método (de raiz) a que já nos habituou.

Muito grata.

Resposta

É a questão da presença ou da ausência do artigo definido.

Talvez por influência do português do Brasil, estamos a omitir o artigo definido em casos em que ele deve existir. Eis algumas frases lidas em jornais:

  1. Apesar de terem sido os portugueses a introduzirem a cultura de amendoim...
  2. Ana M. S. Matos. Missa de 1.º aniversário.
  3. Junta de Freguesia da Pontinha.

Há dezenas de anos toda a gente dizia cultura do amendoim/feijão/milho, etc., porque se trata de um vegetal bem definido. O mesmo nos exemplos b. e c..

O emprego do artigo é assunto mais vasto do que pode parecer.
Eis algumas particularidades da presença do artigo definido, que se podem aplicar à questão, muito bem apresentada por Júlia Miguel:

  1. – Chama a atenção para determinado ser: Este lápis é o teu.
  2. – Lança mais visualidade sobre o que se diz: Camões, o grande poeta português, é uma figura universal.
  3. – É um elemento de clareza e de relevo: Agora, pouco se estuda o Portugal dos Descobrimentos.

É evidente que estas (e outras particularidades) são de natureza estilística, e não de natureza gramatical.

A língua/linguagem não é somente para ser compreendida. É também para ser sentida. Temos de a sentir para nos exprimirmos com perfeição.

Quem for ainda capaz de sentir a língua/linguagem qual das duas frases seguintes prefere?

  1. O ensino à distância é necessário e muito proveitoso.
  2. O ensino a distância é necessário e muito proveitoso.

A palavra distância tem aqui forte valor semântico, porque mostra a natureza do ensino que se exerce. Se suprimirmos o artigo definido, suprimimos ao substantivo distância parte desse valor que lhe pertence.

Mais ainda: o artigo antes de «ensino» é pronunciado de maneira débil, e até muito débil, por várias pessoas. Quando tal acontece, pode alguém interpretar como complemento directo o elemento a distância. E então poderá, de começo, perceber a seguinte frase:

[Eu] ensino a distância.

Isto poderá facilmente acontecer com a pronúncia de Lisboa, em que tanta gente «come» som, principalmente os vocálicos.

Concluindo: a linguagem preferível parece ser esta: «ensino/apoio/transmissão, formação, comunicação, etc., etc. à distância.» Sim... «tem mais vida!», como afirma a prezadíssima colega Júlia Miguel.

E agora... Peço licença!

Escreveu assim:

"É claro que conteúdos não devem ser sacrificados pela forma (...)."

Para que omitir o artigo definido antes de conteúdos? Então... porque não suprimi-lo também antes de forma: sacrificados por forma?... Seria mau português! Temos aqui outro valor semântico do artigo definido: a presença dele indica totalidade; a ausência indica, ou pode indicar, parcialidade. É o que vemos em conteúdos e os conteúdos. Digamos os conteúdos.

Se alguma dúvida permanecer, o Ciberdúvidas está ao dispor. 

N. E.   Sobre o uso de «a distância» vs. «à distância», existem outras posições, nem sempre convergentes com a aqui exposta (ver Textos Relacionados, em baixo).

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