DÚVIDAS

Embaixadora / embaixatriz, mais uma vez

Confesso minha perplexidade ante as opiniões expressas por F.V. Peixoto da Fonseca a respeito de tema tão elementar como as palavras "embaixadora" e "embaixatriz". Em sua intervenção datada de 07/01, o consultor de Ciberdúvidas já me havia surpreendido por sua impetuosa decisão de banir, do léxico português, o inocente vocábulo "embaixadora", que nunca fez mal a ninguém. Categórico, exclamou, naquela ocasião: "Não dizer, em caso algum, embaixadora!" Eis que, a propósito de uma observação de um outro consulente sobre o mesmo tópico (17/01), o Senhor Peixoto da Fonseca volta a tratar das embaixatrizes e das embaixadoras, mas agora de forma algo irritada. Tentemos pôr os pontos nos iis, com a serenidade que parece estar à míngua. Em primeiro lugar, a palavra "embaixadora" existe, e significa chefe de missão diplomática, do sexo feminino. Em segundo lugar, existe a palavra "embaixatriz", que significa mulher de embaixador. Curiosos são os argumentos empregados pelo Senhor Peixoto da Fonseca para justificar o desterro que houve por bem decretar ao pobre vocábulo "embaixadora". Diz ele: "... rainha é só uma, quer exerça o cargo..., quer seja a mulher dum rei..." Confesso que não entendi. Que tem que ver rainha com embaixadora ou com embaixatriz? Talvez falte ao Senhor Peixoto da Fonseca certa familiaridade com o mundo diplomático. Imaginemos a seguinte situação: o Governo brasileiro designa uma diplomata do sexo feminino para chefiar a Embaixada do Brasil em Lisboa. Envia, como é de praxe, um pedido de "agrément" ao Governo português. Nesse documento, declara que a pessoa designada é a "embaixatriz" Fulana. Sabe o que vai acontecer? Os diplomatas portugueses poderão, por mera complacência, aceitar o pedido de "agrément", mas tentarão disfarçar o sorriso irônico, no momento de formalizar sua anuência. Ninguém, com a possível exceção de Freud, conseguiria explicar os problemas que tem o Senhor Peixoto da Fonseca com as embaixadoras.

Resposta

O dicionarista F. V. Peixoto da Fonseca considera desnecessária a palavra embaixadora, admitida por outros colaboradores do Ciberdúvidas –Glossário (entrada: Feminino). O termo está registado na generalidade dos dicionários brasileiros. E os dicionários portugueses Porto Editora e Universal já o aceitam, em coexistência com embaixatriz = feminino de embaixador e mulher de embaixador. Maria de Lourdes Pintasilgo, a única portuguesa que exerceu o cargo (na Unesco, entre 1975 e 1979), foi oficialmente designada como embaixadora.

Afigura-se-me, no entanto, que João C. Wiken não tem razão quando é peremptório no entendimento de embaixatriz apenas com o significado de "mulher de embaixador". A etimologia talvez nos ajude:

  • embaixador + -triz (suf. nom., de origem latina, que ocorre em substantivos femininos que designam agente e correspondem a masculinos terminados em -dor ou -tor) > embaixatriz = feminino de embaixador.

E o feminino de embaixador (como acabamos de ver: embaixatriz) tanto pode designar a mulher do embaixador como a mulher que chefia uma embaixada.

O termo embaixatriz, contudo, "especializou-se" num dos seus significados. A prática masculina da diplomacia habituou-nos a ver nele a "esposa" e não a diplomata. Daí que Lourdes Pintasilgo, em 1975, se não devesse sentir bem como embaixatriz, mas como embaixadora.

Quando admito uma "especialização", uma evolução de sentido, uma perda de significado, também estou a admitir uma necessidade? Certamente. Em Portugal, todavia, as embaixadoras (Ana Gomes deverá ser a próxima) só não são embaixatrizes porque, provavelmente, a exemplo de outros departamentos oficiais, o Ministério dos Negócios Estrangeiros ignora o Vocabulário autorizado (por lei, o da Academia das Ciências). E, neste, como diz o professor F. V. Peixoto da Fonseca – e poderia acrescentar: também no anterior, de A.R. Gonçalves Viana –, a palavra embaixadora não existe.

Todos o sabemos: nenhum vocabulário é definitivo num universo de palavras que se alteram. E se esvaziam, tal como as imagens em que "Freud explica" tudo.

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