« (...) O "esperanto" moderno não é o inglês de Inglaterra mas algo que dele emergiu e assentou arraiais no mundo, muito por via da cultura americana e ainda mais no pós-II Guerra Mundial. Por isso, o inglês de Inglaterra passou a ser visto como uma “coisa parecida” com o inglês americano simplificado. Ora é esta “coisa parecida”, que na verdade é a “coisa” original, que agora dizem estar em risco como língua de trabalho na União Europeia. Saem os britânicos, sai a “coisa”. Não pode ser. E nós? (...) Como falaremos nós, depois do “englexit”? (...)»
[Artigo do autor transcrita do jorna "Público" de 8/07/2016, escrita conforme a norma ortográfica de 1945]
O filme é antigo, muito antigo mesmo. Rodado em Nuremberga nos destroços do pós-guerra, tem a assinatura de Fred Zinnemann (The Search, 1948). Mas não é a II Guerra que aqui importa, é a língua. A dado momento do filme, um soldado americano (Montgomery Clift, no seu primeiro papel no cinema) tenta explicar a um menino checo que anda perdido e que esteve preso em Auschwitz (o actor é mesmo um menino checo de 9 anos, Ivan Jandl, que não sabia inglês e teve de aprender foneticamente as suas falas no filme) a importância de saber inglês, depois de lhe ter ensinado um bom lote de palavras básicas: Chair, house, car, flower, bird, tree. Diz o soldado: «Não fazes ideia de como é útil saber inglês. Onde quer que vás, toda a gente sabe o que quer dizer OK. É usado em todo o mundo. Não só na América... Canadá, África, Austrália, Índia, até em Inglaterra entendem o inglês, ou coisa parecida.» Ou “coisa parecida”, aí está. No Brasil, em 2014, um repórter do "Público" que disse que em Portugal se falava português ouviu como resposta: «Falam, mas não falam bem.»
Na verdade, o "esperanto" moderno não é o inglês de Inglaterra mas algo que dele emergiu e assentou arraiais no mundo, muito por via da cultura americana e ainda mais no pós-II guerra mundial. Por isso, o inglês de Inglaterra passou a ser visto como uma “coisa parecida” com o inglês americano simplificado. Ora é esta «coisa parecida», que na verdade é a «coisa» original, que agora dizem estar em risco como língua de trabalho na União Europeia. Saem os britânicos, sai a «coisa». Não pode ser. E nós? Não contamos? Como é que vamos entender-nos sem os nossos business, parkings, start ups, outsourcings, reality-shows, workshops, clusters, plans, shares, campings, shops? Como vamos nós achar outras palavras para player, bodybuilding, personal trainer, gaming, stakeholder, spin-off*, business school, vending machine? Como falaremos nós, depois do “englexit”? Não pode ser. A bem da «coisa parecida», salvem-nos lá o inglês. Como é que se diz? Please!
*Cf .El término «spin-off» es un anglicismo innecesario [recomendação da Fundéu (Fundação para o Espanhol Urgente)
Artigo do autor transcrrito, com a devida vénia, jornal Público de 8/07/2016. Escrito segundo a norma ortográfica de 1945.