Já lá vai o tempo em que falar francês e tocar piano era o expoente máximo da elegância. Na época em que vivemos, as expectativas baixaram consideravelmente. Agora, se nos queremos fazer ouvir e se pretendemos marcar o nosso espaço em diversos domínios, parece que a forma de o fazer terá de ser em inglês.
De pouco adianta recordar que a língua portuguesa conta com muitos séculos de história, o que lhe garante um sem-número de recursos lexicais, prontos para dizer quase tudo. Também não parece ser muito relevante recordar que uma língua é garante de identidade de um povo pelo que deve ser protegida e usada. Falar português é uma forma de afirmação não só de uma história linguística, mas sobretudo da importância que a língua deve ter no panorama internacional.
Não devemos esquecer nunca que o português é falado por cerca de 250 milhões de pessoas, sendo a quinta língua mais falada no mundo, com estatuto de língua oficial em 9 países. Não podemos esquecer que deixar o português em segundo plano é contribuir para uma menorização da língua, atitude que não contribui para a sua afirmação no mundo.
Ainda assim, continuamos a esquecer tudo isto nas nossas práticas diárias. Várias palavras e expressões inglesas entraram e têm ficado: light, delete, password, like, coffee break, login, fake, smartphone, check in, feedback, playlist, download, fitness, pen, black Friday entre tantas outras. Para cada uma existe uma tradução, mas continua a verificar-se a resistência dos falantes, que preferem o inglês por moda, por prestígio…
Toda esta situação é bem mais grave quando são os próprios responsáveis políticos que aceitam e abençoam o recurso ao inglês em espaço português. A aplicação de telemóvel recentemente lançada StayAway Covid, que visa o rastreio de contactos com pessoas infetadas, é disto exemplo. Trata-se de um produto português, criado em Portugal, fruto de investigação portuguesa, destinado aos portugueses, com… nome inglês. Inúmeras opções garantiriam um nome em português. Não se trata de falta de recursos. Desde «Afasta-te – Covid», a «Mantém-te longe – Covid» ou «Distancia-te – Covid», a criatividade é o limite (sem acentos e carateres especiais).
Continuamos, porém, a preferir o inglês. Até recentes manifestações em defesa da cultura sustentavam em cartazes bem visíveis «No culture no future». Como se a cultura que ali se defendia fosse inglesa, como se os destinatários da mensagem fossem ingleses, como se os responsáveis pela manifestação não fossem bem portugueses.
Por mim, vou-me ficando pelo português, bem vernáculo, e até popular, se necessário for e digo «Xô, inglês!»