São muitos os leitores que reclamam para esta coluna, de prontuário e gramática em riste, contra os erros em que esbarram, a cada passo, na comunicação social. A insatisfação que essas cartas denotam, já aqui o escrevi, por mais de uma vez, é compreensível. Quem não tem meios não se estabelece, diz o ditado. Quem não conhece a língua que usamos não está, evidentemente, habilitado a escrever ou a falar em órgãos de informação. Apesar disso, e contrariando um pouco o tom da maior parte dos leitores que se lhe referem, tenho procurado não enfatizar o assunto, deixando sem resposta muitas dessas cartas. Em boa verdade, a ideia de que até há 20 anos se escrevia e falava escorreitamente na comunicação social e de que, de então para cá, se está a cair na mais completa penúria e ignorância não me parece corresponder à verdade. Então como agora, havia quem dominasse a língua e quem a tratasse a pontapé, quem se exprimisse correctamente e quem não debitasse senão asneira ou "palha", como diria o Eça. Releia-se, por via das dúvidas, o que ficou nas colecções de jornais.
Posto isto, um erro é sempre um erro, mesmo que as questões da linguagem não sejam iguais às da matemática. Compreendo, por isso, a insistência de tantos leitores e não posso deixar de reconhecer, embora com as reservas que mencionei, alguma razão a cartas como esta, que passo a transcrever e que vem assinada por "Manuel Sequeira": "A língua portuguesa está a ser maltratada. Nunca vi coisa assim. Escreve-se muito mal. Alguns jornais estão intragáveis, os erros de português são o pão de cada dia, mas ninguém se importa, tudo se transformou em produto de consumo imediato e não há forma de prevenir esta calamidade nas páginas da imprensa escrita, na rádio, na televisão, na publicidade, nos inúmeros sites da Internet... Os jornais desportivos, com grandes responsabilidades ao nível da emigração, também se renderam aos novos tempos. E não se trata apenas de gralhas: a situação é muito mais grave e induz em erro milhares e milhares de leitores. Os interesses económicos estão a acabar com as revisões e a assassinar a língua portuguesa!
(...) É preciso lutar contra este estado de coisas. E, se não conseguirmos inverter esta situação, gritaremos, como o Almada Negreiros, contra todos os Dantas deste país: Quero ser espanhol!
A propósito, sugiro que seja instituída uma Alta Autoridade para a Defesa da Língua Portuguesa (uma Deco, porque não?) e que os prevaricadores sejam penalizados, a exemplo do que sucede noutras áreas de consumo. Deveriam ainda ser obrigados a publicar as asneiras e as devidas correcções..."
A encerrar a sua carta, o leitor apresenta ainda um inventário de página e meia de erros, devidamente acompanhados pela respectiva correcção, que detectou, nos últimos tempos, na comunicação social. Alguns deles, pela frequência com que aparecem um pouco por toda a parte, merecem ser citados. Por exemplo:
Inglêsas (inglesas), magnáta (magnata), impediu que o negócio se concretiza-se (concretizasse), terá que (terá de), Emiratos (Emirados), pré-defenido (predefinido), metereológicas (meteorológicas), infraestruturas (infra-estruturas), tivémos (tivemos), corropio (corrupio), quartel general (quartel-general), concerteza (com certeza), retratar-se (retractar-se, desdizer-se), benção (bênção), bogalhos (bugalhos), desplicente (displicente), dispender (despender), dispiciendo (despiciendo), élite (elite), inflacção (inflação), interviu (interveio), inclusivé (inclusive), vidé (vide), juz (jus), logotipo (logótipo), obcessão (obsessão), perfomance (performance), rectaguarda (retaguarda), cheque-mate (xeque-mate).
A lista remetida pelo leitor é muito mais vasta e, infelizmente, quem quer que se dê ao trabalho poderá acrescentar-lhe outros tantos casos, pelo menos, que encontrará com facilidade neste ou naquele órgão de comunicação. Não será isto realmente grave? Não será motivo para se criar, como vem sugerido na carta, uma Alta Autoridade para a Defesa do Português, com poder até de aplicar sanções aos prevaricadores? Decerto que é grave, atendendo às responsabilidades sociais que têm os órgãos de informação, e todo o investimento que se fizer com vista a reduzir esses erros deve ser aplaudido. Mas convém não esquecer outros aspectos, à luz dos quais o problema se relativiza e perde boa parte do dramatismo que por vezes se lhe empresta.
Em primeiro lugar, a perfeição, nesta como noutras matérias, representará sempre um objectivo acessível a muito poucos e, mesmo a esses, nem sempre. Quanto aos jornais, rádios e televisões, se atendermos à diversidade de pessoas que aí participam, a situação de nervosismo em que frequentemente se trabalha e a pressão que se experimenta à hora de fecho ou no momento de intervir em directo, pode dizer-se que ela estará sempre longe.
Em segundo lugar, por muito graves que sejam, estas faltas de ortografia não vão ao ponto de prejudicar a percepção da mensagem. Não ficam bem, não são toleráveis em quem se apresenta em público a narrar ou comentar qualquer acontecimento, mas não impedem a mensagem de circular. Pelo contrário, quando se nos deparam emaranhados sintácticos em que não há meio de se perceber do que é que realmente estão a falar ou a escrever, aí, sim, a comunicação fica bloqueada. São esses os sinais de degradação do português que verdadeiramente me preocupam.
Texto publicado no DN de 29 de Maio de 2000