A palavra saudade é realmente uma originalidade da língua portuguesa (e da galega)? O escritor e professor universitário Fernando Venâncio observa que a noção de saudade não é estranha a outras línguas, numa crónica publicada com o título "Doce lar" no número de setembro de 2013 da revista Ler.
Manhã de domingo, estival e fresca. A rádio holandesa mais interessante, a progressista VPRO, transmite um magazine cultural. Calha o tema ser a «saudade». A palavra não me vai soar nos fones, mas fica-se a saber que não estamos sós no Mundo.
Do andarilho Ulisses e do inconsolável Ovídio, o programa passa, de um traço, para os mercenários suíços de Seiscentos que, longe da Pátria, em campanhas europeias, definhavam a olhos vistos. Tão vistos que se arranjou nome científico para o mal, Heimweh, o anseio pelo lar. Que os pobres soldados, na realidade, apanhavam doenças exóticas, ou que o corpo lhes almejava pelo ar rarefeito dos Alpes, só muito lentamente acabou por perceber-se.
Entretanto, a enigmática doença pedia designação mais manejável, menos teutónica, mais latina, ou, no caso, grega. E assim surgiu nostalgia, a ânsia pelo regresso. Parece terem sido os franceses os criativos. O termo aflora, em 1769, como nostalgie, num Précis de médecine pratique.
Vários tratamentos foram sendo tentados, ao longo dos séculos. Prescreviam-se mezinhas, inalações, fumigações. Outros métodos investiam no distrair do espírito: ocupações agradáveis, jogos, representações, e até formas de canto exaltante dos lados bons da vida. Outras soluções, mais radicais, mais realistas, incluíam a pura e simples repatriação.
Faltou no erudito programa, já se disse, a história a Ocidente. Quando os galegos criaram um vocábulo como soidade, é que estavam dele precisados. Os portugueses herdaram o nome e a coisa, e foram-nos mudando para saudade. Da «solidão» derivou-se para a «saúde», uma curiosa etimologia popular, que legitima, in extremis, a pretensão portuguesa de ter inventado o termo, mas não a de engendrar a insólita emoção.
Bem pôde Fernando Pessoa, patrioticamente, dizer: «Saudades, só portugueses / Conseguem senti-las bem, / Porque têm essa palavra / Para dizer que as têm».
É verdade. Somos realmente bons. Mas há limites.
texto publicado com o título original "Doce lar" no número de setembro de 2013 da revista Ler