Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora
<i>Miríade</i>
Dez mil estrelas ou dez mil corruptelas?

Na sua crónica noPrograma Páginas de Português, da Antena 2, do dia 14 de novembro de 2021, a professora Carla Marques aborda os significados da palavra miríade, a propósito do nome dado, em Portugal, pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção da Polícia Judiciária a uma investigação feita a militares por suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em missões na República Centro-Africana, entre outubro de 2017 e março de 2018.

 

 

Pergunta:

Quais são os critérios de distinção entre as classes substantivo e adjetivo em casos como este: «Ana e Maria são amigas»?

Os dicionários põem a palavra amigo como substantivo e como adjetivo, mas nessa posição de predicativo do sujeito sem determinante, realmente empaquei. Estive a tentar justificar tal situação a um aluno, e não obtive sucesso. Intuitivamente entendo ser adjetivo, mas me faltam argumentos técnicos definitivos e incontestáveis.

Desde já, muito obrigado pela ajuda!

Resposta:

Com efeito, poderemos apontar alguns critérios que permitem distinguir adjetivos de nomes, sabendo, todavia, que será possível apontar exceções a estes critérios de classificação.

Os adjetivos, sendo qualificativos, atribuem uma propriedade ou característica ao nome. A classe do adjetivo caracteriza-se por ser tipicamente graduável, pelo que os seus membros são compatíveis com o advérbio muito:

(1) «Ela é muito simpática.»

Tipicamente, os nomes comuns não admitem construções com o advérbio muito1:

(2) «*A muito casa é amarela.»

Os adjetivos podem integrar construções comparativas:

(3) «Ela é mais inteligente do que a Ana.»

Os nomes, por seu turno, não podem ser o núcleo de uma comparação:

(4) «*Esta é mais casa do que a anterior.»

Nas orações copulativas, os nomes aparecem tipicamente antecedidos do determinante indefinido um, podendo também surgir com o determinante definido:

(5) «Ela é um amor.»

(6) «Ela é a chefe.»

O adjetivo já não é compatível com o determinante:

(7) «*A casa é uma fria.»2

(8) «*A casa é a fria.»2

Assim, na frase apresentada pelo consulente, amigas será um adjetivo, uma vez que é compatível com o advérbio muito (9) e pode surgir numa construção comparativa (10):

(9) «Ana e Maria são muito amigas.»

(10) «Ana e Maria são tão amigas quanto Rita e Joana.»

É verdade que é possível produzi...

Pergunta:

Quando uma citação em bloco tem mais de três linhas, dispensam-se as aspas e podemos/devemos (?) usar itálico. Aplica-se o mesmo no caso de poemas, por exemplo, citando apenas parte dos mesmos?

Nesse caso, os poemas podem ficar centrados em relação ao texto?

Desde já agradeço a vossa ajuda.

Resposta:

Os processos de citação adotados em trabalhos académicos1 poderão, creio, ser alargados a outros contextos de produção textual, pelo que me referirei às regras que habitualmente se respeitam neste âmbito.

Antes de mais, há que distinguir dois tipos de citação: a citação curta e a citação longa. A sua apresentação no texto obedece a normas específicas:

(i) citação curta

Considera-se citação curta aquela que tem, no máximo, até três linhas. Neste caso, o texto do autor citado será inserido diretamente no nosso texto, sendo assinalado por aspas e seguido de referência bibliográfica curta (apelido do autor, data da publicação da obra, página(s)).

(ii) citação longa

A citação longa é aquela que tem mais de três linhas. Esta é inserida no texto respeitando os seguintes procedimentos: o texto citado é colocado num parágrafo posterior ao texto de nossa autoria; não se usam aspas; o texto é apresentado num tamanho de letra inferior ao usado no nosso texto; o texto é apresentado com um parágrafo que avança em todas as suas linhas cerca de 4 cm relativamente ao texto principal2.

De acordo com estas normas, e retomando a questão da consulente, não é necessário recorrer ao itálico para assinalar o texto citado. No caso particular dos poemas, poder-se-á adotar a mesma regra, fazendo equivaler os versos ao número de linhas. É de recordar ainda que, quando se insere um excerto de poema no texto principal, este deve aparecer entre aspas e os seus versos deverão ser separados por barras oblíquas (/).

Disponha sempre!

 

1. Referimo-nos aqui sobretudo aos trabalhos científicos desenvolvidos nas áreas das ciências sociais e humanas, que, habitualmente, seguem ...

<i>Berbicacho</i>
Uma palavra na ribalta em Portugal

A professora Carla Marques aborda, neste apontamento, as nuances da palavra berbicacho: «Recentemente, berbicacho elevou-se ao mundo da política portuguesa. Sem se ter candidatado a nada e sem ter sido escrutinado, surgiu ao lado dos líderes de primeira água: ora de mãos dadas com o Presidente da República, ora lado a lado com o primeiro-ministro, serviu para descrever a situação que se vive em Portugal – de um orçamento que não se aprovou, a uma Assembleia que se dissolveu até eleições que se avizinham.»

Pergunta:

1. De formas bem didáticas, como diferenciar o modificador do grupo verbal do modificador da frase? Que técnicas usar?

2. O Dicionário Terminológico diz que os modificadores «geralmente» podem ser eliminados da frases, não prejudicando, portanto, a gramaticalidade da mesma. Porque diz «geralmente»? Há casos em que prejudica?

Obrigado pela atenção!

Resposta:

O facto de um modificador poder ser retirado da frase tem a ver com as relações mais ténues que mantém com o grupo verbal ou com a frase. Por exemplo, um modificador do grupo verbal não é pedido pelo verbo (não é seu argumento) e, por essa razão, pode ser omitido sem prejudicar a gramaticalidade da frase:

(1) «O João comeu um bolo ontem

(1a) «O João comeu um bolo.»

No entanto, se considerarmos a frase no seu contexto, é verdade que a informação temporal veiculada pelo modificador ontem pode ser semanticamente importante para a compreensão do texto. Isto significa que, do ponto de vista sintático, o modificador pode ser omitido, mas, do ponto de vista semântico, não. Serão situações como esta que justificam a presença do advérbio geralmente na afirmação constante do Dicionário Terminológico.

A distinção entre os modificadores do grupo verbal e os modificadores de frase pode fazer-se pela aplicação de dois testes de natureza sintática:

(i) construção de foco (construção clivada):

    O modificador de grupo verbal admite ser integrado numa construção de focalização (clivada), como se vê em (2/2a), ao passo que o modificador da frase não o permite (3/3a):

    (2) «O João leu o livro atentamente.» - (2a) «Foi aten...