Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
47K

Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Nos versos de Adélia Prado, há a seguinte construção: «Amor feinho não olha um pro outro

«Um pro outro» [ou «um para o outro»], sintaticamente, é classificado como?

Obrigada desde já!

Resposta:

O constituinte «um para o outro» desempenha a função de complemento relativo1 (complemento oblíquo, segundo o Dicionário Terminológico).

No verso do poema de Adélia Prado está presente uma construção recíproca. Esta construção tem lugar quando «As entidades que entram na relação descrita pelo predicador pertencem todas ao conjunto representado pelo antecedente, mas nenhuma delas está associada simultaneamente a dois papéis distintos num só subevento da situação geral descrita pela construção.» (Lobo in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 2212)

Assim, na frase em apreço, existe um antecedente subentendido (equivalente a “as pessoas”) para o qual os pronomes «um…outro» remetem, indicando que cada pessoa realiza a ação de olhar para o outro (que se ama).

Em termos sintáticos, «um para o outro» corresponde a um grupo preposicional complexo que desempenha a função de complemento relativo (complemento oblíquo). A mesma função sintática estará presente se a frase for construída com um grupo preposicional simples, como em (1):

(1) «O João olhou para ele.» (para ele = complemento relativo / complemento oblíquo)

Disponha sempre!

Pergunta:

Na escola onde trabalho, houve uma questão que dividiu opiniões...

Classifique o grau do adjetivo sofisticadas da frase abaixo.

«Executivos de tais organizações frequentam as mais sofisticadas redes políticas do mundo.»

Não estamos diante de um superlativo relativo analítico já que falamos sobre as redes políticas mais sofisticadas do mundo?

Alguns classificaram como: absoluta.

Desde já agradeço a atenção dos Senhores.

Resposta:

O adjetivo sofisticadas encontra-se, na frase em apreço, no grau superlativo relativo de superioridade.

É comum que o adjetivo neste grau modifique um nome elítico, ou seja, que não é verbalizado no grupo de palavras que o adjetivo integra, como acontece em (1), onde o nome aluno é omitido:

(1) «O António é o (aluno) mais alto da turma.»

Não obstante, é possível verbalizar o nome modificado pelo adjetivo, o que se verifica na frase apresentada pelo consulente, onde destacamos o sintagma nominal modificado:

(2) «Executivos de tais organizações frequentam as mais sofisticadas redes políticas do mundo.»

Note-se que nesta construção o adjetivo tem a forma «a mais ADJ de», mas não é necessário que todos os elementos surjam seguidos, como se observa em (3), onde o sintagma «redes políticas» intercala o determinante artigo e o adjetivo:

(3) «Executivos de tais organizações frequentam as redes políticas mais sofisticadas do mundo.»

Acresce ainda que na frase apresentada não poderemos considerar que o adjetivo se encontra no grau absoluto, porque este grau expressa um valor elevado, enquanto o superlativo relativ...

Pergunta:

Há dias, numa notícia sobre a situação em que se encontram as companhias de circo em Portugal por causa das restrições da pandemia, "tropecei" na palavra «chapitô», como substantivo comum:  «O primeiro ano dos artistas de circo fora do chapitô.»

Confesso, desconhecia por completo; nem encontrei dicionarizado  a palavra  como substantivo comum. Só  conhecia em maiúscula, o nome da escola de circo Chapitô.

Muito agradeço o esclarecimento.
 

Resposta:

Com efeito, não foi possível encontrar registo dicionarístico da palavra chapitô, pelo que estaremos perante um empréstimo da língua francesa. 

Pelo contexto, a palavra estará usada no sentido da palavra francesa chapiteau, que significa «tenda de um circo ambulante». Mantendo este sentido, a palavra terá sido adaptada à grafia portuguesa, transformando a grafia francesa eau (que se lê "ô") em grafia portuguesa com um som equivalente: "chapitô". Assim, o sentido do título da notícia será equivalente a «O primeiro ano dos artistas de circo fora da sua tenda de espetáculos». 

Disponha sempre! 

Vacina e esperança
Sentidos que se unem em pandemia

«A palavra vacina marca de forma indelével o final do ano de 2020», e a ela se associa a palavra esperança. Esta é a reflexão da professora Carla Marques, no início do ano 2021.

Das montarias às matanças
Palavras a denunciarem os atos

Na Herdade da Torre Bela, na Azambuja, organizou-se uma montaria, que levou à morte de 540 animais de grande porte, um caso que tem perturbado a opinião pública em Portugal e que motiva uma análise de palavras envolvidas nestes atos, como caça, montaria ou matança. Pela professora Carla Marques.