Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Gostaria de saber a definição de "meronímia de subatividade" e "meronímia espacial', segundo a Gramática do Português [da Fundação Calouste Gulbenkian], por favor.

Grata pelo vosso auxílio.

Resposta:

O conceito de holonímia-meronímia integra o campo das relações semânticas entre palavras. Um merónimo é uma palavra que designa uma realidade que constitui uma parte que se inclui num todo maior. O conceito de holónimo diz respeito à palavra que designa esse todo. Na expressão «o volante do carro», volante é um merónimo e carro um holónimo.

Na relação meronímia-holonímia, podemos considerar várias classes, que se constituem com base nas relações de sentido criadas entre palavras. Entre elas encontram-se a meronímia de subatividade e a meronímia espacial.

Rui Chaves define deste modo o conceito de meronímia de subatividade: «a relação parte-todo liga uma ação a outra ação na qual a primeira está incluída» (in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 208). Esta designação cobre, portanto, relações semânticas entre palavras que designam tipos gerais de atividades e subtipos dessas atividades, como as que se estabelecem entre falar (atividade geral) e expor ou entrevistar (subatividades).

A meronímia espacial é definida pelo mesmo autor como «um tipo de meronímia em que a relação parte-todo liga uma área a uma outra, mais abrangente, e em que as fronteiras entre as duas áreas são algo subjetivas» (id., ibidem). Estas relações estabelecem-se, por exemplo, entre cidade (área abrangente) e praça ou jardim (áreas mais restritas dentro da cidade).

Disponha sempre!

Pergunta:

Na frase, a expressão «a exemplo de» está usada corretamente?

«Espaço dedicado a informações da sua escola, a exemplo de mensagem do(a) diretor(a), proposta pedagógica, história, hinos, fotos.»

Resposta:

O uso da locução «a exemplo de» na frase apresentada não é aceitável.

A locução «a exemplo de» significa “imitando, tomando como modelo, seguindo os passos de” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea).

Usa-se em frases como:

(1) «A pesquisa mostra ainda que os concessionários começam a oferecer produtos complementares para os seus clientes, a exemplo de seguros, garantias extras, revisões programadas, serviços rápidos, atendimento personalizado, atendimento 24 horas, acessórios, dentre outros.» (in Corpos de Português, de Mark Davies)

(2) «A exemplo de outros municípios, São Gabriel convocou, através do 41º núcleo do Cpers, os professores estaduais, durante todo o dia de ontem, para uma manifestação na praça Dr. Fernando Abott, com o objetivo de mostrar a atual situação da categoria e exigir uma reposição salarial de 34%.« (ibidem)

A frase apresentada pela consulente não é, deste modo, aceitável, sendo preferível a seguinte construção:

(3) «Espaço dedicado a informações da sua escola, como, por exemplo, mensagem do(a) diretor(a), proposta pedagógica, história, hinos, fotos.»

Disponha sempre!

Pergunta:

Tinha entendido, e corrijam-me se não é assim, que o uso do infinitivo pessoal era motivado por algumas partículas da língua (preposições, locuções prepositivas) ou contextos (depois de um verbo declarativo ou volitivo, numa frase subordinada em que há mudança de sujeito relativamente à oração principal).

Atendendo a estas considerações, não consigo explicar muito bem o uso do infinitivo pessoal na seguinte frase: «Ficares aqui só te vai trazer problemas», dado que interpreto «ficares aqui» como a oração principal. Posteriormente, intuí que não se trata de uma oração principal, mas uma subordinada, subentendendo-se no início da frase «o facto de ficares…».

Gostaria de saber se é assim e, no caso afirmativo, se haveria outros casos em que normalmente se omitisse essa preposição ou locução prepositiva inicial.

Muito obrigada pela sua preciosa ajuda!

Resposta:

Na sua afirmação inicial, está presente alguma confusão que importa esclarecer. É o uso do infinitivo em geral (e não do infinitivo pessoal, em particular) que é selecionado por várias classes gramaticais. Assim, a oração infinitiva pode ser complemento de nomes (1), adjetivos (2), verbos (3), preposições (4) ou advérbios (5):

(1) «A certeza de ficar em Portugal descansava-o.»

(2) «Estava feliz por vir a Portugal.»

(3) «Ele quer vir a Portugal.»

(4) «Não vou a Portugal sem ter a tua companhia.»

(5) «Antes de partir, preparo as malas.»

O uso do infinitivo pessoal está relacionado com o facto de a oração infinitiva ter um sujeito próprio, diferente do sujeito da oração subordinante. Este sujeito poderá estar expresso (6) ou ser um pronome nulo (7):

(6) «Preocupa-me os meninos estarem na rua.»

(7) «Lamento [-]1 teres de vir até aqui.»

Já o infinito impessoal assume o mesmo sujeito da oração subordinante, pelo que o verbo não flexiona em pessoa e número:

(8) «Ele decidiu [ele] ver televisão.»

A frase apresentada pela consulente inclui uma oração infinitiva («Ficares aqui») com função de sujeito:

(9) «Ficares aqui só te vai trazer problemas.» (= «Isto só te vai trazer problemas.»)

No caso apresentado, é também possível a construção com infinitivo impessoal:

(10) «Ficar aqui só te vai trazer problemas.»

Neste uso, a oração assume um valor indefinido, podendo o seu sentido coincidir ou não com a entidade denotada pelo pronome pessoal

Tergiversação e tergiversar
Fugir à conversa e jogar em dois campos

«A tergiversação é uma atitude tão frequente em diferentes camadas da nossa sociedade e em diferentes ângulos políticos que até parece estranho que poucos reconheçam o seu significado quando a palavra se faz mostrar», afirma a professora Carla Marques num apontamento sobre as palavras tergiversação e tergiversar

Pergunta:

Como classificar a oração iniciada por que em «É por isso que não se pode imitar»?

Obrigada.

Resposta:

 

O enunciado apresentado é uma frase clivada ou de foco, a qual é utilizada para colocar em relevo determinada informação, como acontece em (1), onde se coloca em destaque o constituinte «o João»:

(1) «Foi o João que chegou.»

Esta frase equivale a (2) que não apresenta clivagem de nenhum dos seus constituintes:

(2) «O João chegou.»

A clivagem é feita na frase através de estruturas como «verbo ser + que» ou «verbo ser + isso/aquilo + que».

No caso da frase apresentada pela consulente, o constituinte posto em destaque é aquele que condensa a razão da asserção produzida: «por isso». A organização não marcada desta frase seria:

(3) «Não se pode imitar por isso.»

Refira-se, ainda, que a frase apresentada é composta por duas orações, mas a oração introduzida por que não pode ser considerada uma relativa canónica, pois que é um complementador e não um verdadeiro pronome relativo (como se explica aqui), pelo que a oração introduzida por que poderá ser referida simplesmente como oração subordinada. 

Disponha sempre!