Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quanto à regência do verbo acessar, ele é objeto direto, ou indireto? Por exemplo: a frase «Acesse o site» está correta?

Resposta:

O verbo acessar é um regionalismo do Brasil, da área da informática. O Dicionário Eletrônico Houaiss diz que, «em Portugal, empr[ega-se], mais corretamente, o v[erbo] aceder neste sentido».

Feita esta ressalva, trata-se de verbo transitivo directo, e a frase «acesse o site» está correcta. Acessar quer dizer «obter acesso a (informação, dados, processos, dispositivos etc.)», a exemplo de «a[cessar] um registro ou arquivo» ou «a[cessar] um meio de armazenamento, uma unidade de rede, uma memória».

Pergunta:

Dos termos astrofobia, astrapofobia, brontofobia e ceraunofobia, qual o mais correcto para a «fobia a relâmpagos»?

Resposta:

O Dicionário Eletrônico Houaiss diz que astrofobia é «sentimento de pavor aos trovões e aos relâmpagos; astrapofobia»; e considera que a palavra vem de «astr(i/o)- + -fobia; f[orma] hist[órica] 1899 astròphobia». Sobre astrapofobia (de «astrap(o)- + -fobia»), diz que é um termo da psicopatologia, tratando-se de «pavor de relâmpagos e trovões; astrofobia». Quanto a brontofobia (de bront(o)- + -fobia), também vocábulo da psicopatologia, é «medo doentio de trovões». Finalmente, ceraunofobia (de «ceraun- + -o- + -fobia») quer dizer «medo excessivo de raios, de descarga aérea».
O Dicionário de Termos Médicos, de Manuel Freitas e Costa, edição da Porto Editora, regista igualmente astrofobia («medo doentio dos astros e do espaço celeste ou firmamento»), astrapefobia ou astrapofobia («medo mórbido de relâmpagos e trovões»), brontofobia («medo doentio de trovoadas») e ceraunofobia («medo doentio de raios»).

O Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, regista astrofobia («pavor mórbido causado pelos relâmpagos e trovões»), mas não acolhe os outros vocábulos, o que parece querer dizer que estes são termos de uso mais restrito, confinados provavelmente à área da psicopatologia.

Nesta perspectiva, e dada a sinonímia entre os vocábulos, são todos correctos, mas é preferível o termo astrofobia, atendendo a que é o mais usual e conhecido pela maioria dos falantes.

Pergunta:

Qual o processo de formação do verbo encantar?

Resposta:

A palavra encantar assenta directamente no «lat[im] incantāre, "encantar"»; significa «impressionar muito favoravelmente; causar encanto a; maravilhar»; «seduzir»; e «enfeitiçar; proceder ao encantamento de» [in Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora].

Pergunta:

Gostaria de saber a origem da palavra "vide", como em "vide bula". Já li em uma resposta que esta palavra vem do verbo ver. Mas como, se esta conjugação do verbo ver não existe?

Ficaria grato por uma explicação.

Resposta:

Vide, no contexto referido, é uma palavra latina cuja tradução para português dá vede (forma do imperativo do verbo ver). Trata-se de «fórmula com que se remete o leitor a um outro texto, outro trecho de um texto, outro livro etc.» Daí o «vide bula» ou «a respeito deste ponto, vide o capítulo seguinte». Etimologicamente, «vide [é a] 2.ª p[essoa do] s[ingular] do imper[ativo] de vidēre, "ver"». Assim, ver (português) é a tradução de vidēre (latim), e vide pertence à lingua latina, mas usa-se na língua portuguesa tal como outras palavras e expressões latinas.

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss]

Pergunta:

Também se pode utilizar o verbo afigurar sem o se antes? Por exemplo: «as questões que lhe afigurem necessárias»?

Resposta:

O verbo afigurar (sem o se) é transitivo e significa «dar figura a»; «representar»; «imaginar». Como verbo pronominal, quer dizer «parecer; dar a ideia de». Afigurar vem «do lat[im] affigurāre, "moldar"». [In Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora]

No exemplo apresentado, o verbo é pronominal: «as questões que se lhe afigurem necessárias» = «as questões que lhe pareçam necessárias».

Um exemplo, sem o se, tirado do Dicionário Eletrônico Houaiss: «A montanha afigura a corcova de um camelo.»