Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No meio de uma reunião de pais, surgiu a questão sobre a forma correta de agradecer à Professora:

(1) «Obrigado, a turma 2018/19.»

ou

(2) «Obrigada, a turma 2018/19.»

De facto, os defensores de (1) «obrigado» justificaram que a turma é um nome coletivo composto por rapazes e raparigas e «obrigado» é aceitável para ambos os sexos (ao contrário de «obrigada»). Os defensores de (2) «obrigada» justificaram que o agradecimento é da «turma», que é um nome de género feminino.

Assim, gostávamos de saber se as duas opções estão corretas, ou se alguma forma tem superioridade gramatical sobre a outra nesta situação específica.

Obrigado.

Resposta:

As duas opções estão corretas, atendendo aos critérios que defendem cada uma.

Mas, dado que se trata de um coletivo, até se poderia dizer e escrever «obrigados», no plural, ou, revelando preocupações com as questões da igualdade de género, «obrigadas e obrigados» (ou «obrigados e obrigadas»). Para simplificar, nada impede o uso de obrigado, atendendo a que esta palavra já é uma fórmula fixa, ficando de certo modo alheia às regras gerais da concordância. Na verdade, sobretudo neste caso, a ocorrência de obrigado torna-se mais natural do que o emprego de obrigada em referência ao coletivo turma.

Outras soluções para esquivar dilemas:

– recorrer à formulação «o nosso obrigado», ainda mais descomprometida com a questão da concordância, uma vez que aí se usa o nome obrigado, que é do género masculino;

– empregar a fórmula de agradecimento «bem haja», que é corrente no centro de Portugal e também pode aparecer como nome nesta outra fórmula: «o nosso bem-haja».

Pergunta:

É aceitável escrever Nikšić (cidade do Montenegro)? Como aportuguesar? "Niksich"?

Obrigado.

Resposta:

Aceita-se a forma Nikšić, nome de uma cidade do Montenegro. Trata-se da romanização do montenegrino Никшић1, de acordo com ISO 9, norma internacional que define o sistema de transliteração dos carateres cirílicos pelos caracteres latinos.

Poderá propor-se um aportuguesamento, embora falte uma norma portuguesa que garanta uma transliteração estável. De qualquer modo, procurando uma transcrição com base na ortografia do português, afigura-se discutível a forma "Niksich", por causa do <s>; com efeito, não esta a melhor transcrição da fricativa marcada por <š>, visto este grafema representar em sérvio e em montenegrino um som muito próximo do ch de cacho ou do x de caixa. Também problemático será o recurso a <k>, porque, apesar de esta letra fazer parte do alfabeto português conforme estabelece o Acordo Ortográfico de 1990 (Base 1, n.º 2), não é ela empregada nas adaptações de formas estrangeiras ao português.

Apesar dos condicionalismos apontados, "Niquexich" ou "Niquechitch" são transcrições possíveis. Ambas exibem a sequência <que> para transcrever o <k> do topónimo montenegrino2. Quanto à transcrição dos grafemas <š>, indicativo da consoante fricativa acima descrita, e <ć>, semelhante ao "tch" que ainda se ouve nos dialetos setentrionais portugueses (chão = "tchão"), a primeira proposta de aportuguesamento é mais fiel ao valor histórico dos grafemas portugueses <x> e <ch>, visto estes terem tido pronúncia contrastada até relativamente tarde: o x

Pergunta:

Como devo escrever "Éris" ou "Eris" (planeta anão do sistema solar)?

Resposta:

Deve escrever-se Éris.

O planeta em apreço, descoberto em 2005 e inicialmente identificado como 2003 UB313, deve o seu nome ao da deusa da discórdia grega, Éris (cf. o Vocabulário da Língua Portuguesa que Rebelo Gonçalves publicou em 1966; e o Vocabulário Ortográfico da Porto Editora, disponível na Infopédia). Sobre esta figura da mitologia, transcreva-se o texto que o professor luso-romeno Victor Buescu (1911-1971) assina na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura:

«Deusa da discórdia, irmã e companheira de Ares (segundo Homero). Habitava nos Infernos, onde a iconografia antiga a representava cega, com uma cabeleira de serpentes presa com laços ensanguentados, em tétrica companhia do Sono (irmão da Morte), da Guerra mortífera, do Luto, da Dor, da triste Velhice e das "benevolentes" Fúrias, ou Euménides, suas filhas (no dizer de Hesíodo). Segundo uma tradição posterior, a Guerra de Tróia teria...

Pergunta:

Embora encontre vários esclarecimentos no Ciberdúvidas sobre o uso dos comparativos mais bem e melhor – o primeiro sempre com a ligação a um adjetivo participial –, mantenho esta hesitação: «Ele é quem hoje mais bem escreve na imprensa portuguesa», ou tem de ser «Ele é hoje quem melhor escreve na imprensa portuguesa»?

Obrigado.

Resposta:

Com formas verbais finitas e com formas de infinitivo ou gerúndio, não se justifica «mais bem», ao contrário do que acontece com os particípios passados, tenham estes ou não uso adjetival. Deste modo, a forma correta é efetivamente «Ele é quem hoje melhor escreve na imprensa portuguesa», porque o verbo escrever ocorre num tempo finito (escreve corresponde à 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo).

Recorde-se, portanto, que os comparativos dos advérbios bem e mal são geralmente melhor e pior numa construção comparativa:

(1) «Ela escreve os relatórios melhor/pior do que ele.»

O mesmo acontece quando bem e mal ocorrem em construções de superlativo relativo (de superioridade):

(2) «Ela é quem escreve melhor/pior os relatórios.»

Contudo, quando acompanham particípios passados, os comparativos de bem e mal são, respetivamente, mais bem e mais mal:

(3) «Estes relatórios foram mais bem/mais mal escritos do que aqueles.»

(4) «Lemos os relatórios mais bem/mais mal escritos de sempre.»

O exemplo (3) ilustra o caso em que o particípio passado faz parte de uma construção passiva. Em (4), o particípio passado ocorre adjetivalmente.

 

Obs. 1: Na história da gramática prescritiva, nem sempre tem havido consenso quanto ao uso sistemático de mais bem  e

Pergunta:

Gostaria de saber se existe a palavra "configurador", tão frequentemente utilizada quando nos referimos a um aplicativo que permite conceber diversas opções para uma mesma solução ou produto. Caso não exista, que alternativa de palavra poderíamos recorrer para o mesmo significado.

Muito obrigado pela atenção e os meus parabéns pela excelente plataforma!

Resposta:

O nome (e adjetivo) configurador é uma forma correta, que se usa em sentido idêntico ou semelhante ao descrito na pergunta.

Trata-se de uma palavra constituída por configura-, tema do verbo configurar, e o sufixo -dor, pelo mesmo processo de derivação regular que permite criar administrador a partir do tema de administrar ou corredor com base em corre- (tema de correr). Faz, portanto, parte de uma série lexical bastante vasta, que deve a sua dimensão à produtividade do sufixo -dor, o que explica que, por vezes, não encontremos nos dicionários alguns dos seus membros, dada a facilidade com que os falantes os formam.

Não é este, porém, o caso de configurador, que, no final do século passado, encontrava já registo no Grande Dicionário da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, embora com uma única definição: «aquele que configura, que dá configuração». Contudo, mais recentemente, este termo especializou-se e usa-se também no domínio da informática, numa aceção próxima da descrição apontada pelo consulente, conforme atesta o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (consultado em 31/05/2019): «2. [Informática] Programa ou software que permite ajustar ou definir opções ou parâmetros num programa ou sistema informático ou num equipamento.»

P.S.