Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

[Sobre a expressão «boca do metro»] tenho uma dúvida:  é «boca do metro» ou «entrada do metro»?

Acho que a segunda opção é correta, mas também tenho encontrado a primeira opção  na  Internet. Qual é a  correta?

Resposta:

Em Portugal, as expressões mais correntes são «entrada do metro» ou «saída do metro» – consoante a perspetiva. Note-se, porém, que «à boca do metro» é locução legítima, com algum tom informal, que pode igualmente ocorrer, como se atesta em textos jornalísticos e até literários:

(1) «Cerca de 25% dos universitários que arrendam casas através da J.M.Simões escolhem T1 em condomínios onde a renda atinge os mil euros, situados "à boca" do metro.» (Jornal de Notícias, 29/09/2008).

(2) «Para Maria, esta estação, que é grande, ganha vida nas horas de ponta, visto que tem terminais de autocarros à boca do metro.» (ESCS Magazine, 6/012/2015)

(3) «Passaram as nove e as nove e meia, as dez e as dez e meia, as onze horas da manhã, com o sol a entrar toldado na boca do metro.» (Lídia Jorge, Notícia da Cidade Silvestre, Publicações Dom Quixote, 1994)

Pergunta:

Acabo de ler a atualização do dia, e chama-me a atenção a questão de capitão/capitã. Custa-me a acreditar que para traduzir o título de um filme, Captain Marvel, fosse preciso consultar as Forças Armadas, para ter a certeza de que não existe em nenhum ramo delas uma "capitã", e não usar a língua, e a linguagem, para precisamente chamar a atenção para essa ausência, na língua e na realidade, como fez o Brasil....

Resposta:

Em Portugal, apesar de se usar capitã no âmbito desportivo, emprega-se capitão quando se faz referência à hierarquia militar. No Brasil, a situação não será muito diferente, mas os media parecem favorecer capitã, em referência quer a uma desportista quer a uma mulher militar.

É certo que, no domínio do desporto, capitã constitui a palavra que ocorre em Portugal para designar a chefe de uma equipa:

(1) «As seleções nacionais de futsal feminina e masculina estiveram juntas em Rio Maior e a capitã da Equipa das Quinas, Ana Azevedo, não quis deixar [de ter] a oportunidade de perceber a experiência do capitão que levantou o troféu de campeão da Europa há um ano, Ricardinho. ("De capitã para capitão", notícia da Federação Portuguesa de Futebol)

(2) «A equipa de futebol feminino do Benfica apresentou-se oficialmente à Comunicação Social, esta quarta-feira, na sala de Imprensa do Estádio da Luz. O vice-presidente Fernando Tavares, o treinador, João Marques, e Sílvia Rebelo, uma das capitãs de equipa, foram os porta-vozes da ambição que alimenta este grupo de trabalho.» ("Futebol feminino apresenta-se com títulos no horizonte", notícia do sítio eletrónico do Sport Lisboa e Benfica)

No entanto, na hierarquia militar, os postos têm, como já dissemos noutras ocasiões (ver Textos Relacionados), denominações que provêm de nomes masculinos e que são hoje em...

Pergunta:

É o correto o termo "sartaginense" em vez de sertaginense?

Resposta:

Como gentílico correspondente ao topónimo Sertã (Castelo Branco), a palavra correta é sertaginense, conforme o registo fixado em vocabulários ortográficos, como o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966) de Rebelo Gonçalves, e noutro tipo de obras, como Topónimos e Gentílicos (Porto, Editora Educação Nacional, 1941, p. 211), de I. Xavier Fernandes, com o título. Sertanense e sertainho são também vocábulos legítimos para fazer referência aos naturais ou residentes da Sertã.

Quanto à forma "sartaginense", não aceite pela norma, deve observar-se, no entanto, que não é ela destituída de sentido, quando se pensa nas atestações medievais (séculos XII e XIII) do nome medieval da Sertã: Sartagine e Sartaginis (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, s. v. Sertã). No século XV, a vila é mencionada como Sartãe (idem, ibidem). Justifica-se, portanto, que "sartaginense" não seja forma censurável, atendendo ao facto de manter o a que se documenta na primeira sílaba das formas medievais.

Sobre a origem do topónimo Sertã, parece a J...

Pergunta:

A julgar que há muito se introduziu no português termos como vexilo e vexilário, e inclusive temos vexilologia, qual a forma mais adequada para grafar, à lusófona, o também latino vexillatio?

Resposta:

Pode propor-se vexilação, que é palavra bem formada em português, não obstante não ter ainda registo dicionarístico.

Confirma-se, no entanto, que o latim vexillum, i, «bandeira, estandarte», tem o aportuguesamento vexilo, dicionarizado com o mesmo significado genérico e como «pequeno pedaço de pano, geralmente retangular, suspenso numa barra horrizontal fixa no topo de uma haste, transportado à frente dos exércitos romanos» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Vexilo denota ainda, no domínio da botânica, uma «pétala mais desenvolvida (e tipicamente superior) da corola papilionácea, que é também conhecida por estandarte» (dicionário da Porto Editora, na Infopédia) e, em zoologia, «cada uma das duas lâminas laterais da pena de uma ave, formadas pelas barbas» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001).

Os dicionários consultados acolhem também as entradas de vexilário, do latim vexillarius, i, «porta-bandeira, entre os antigos Romanos» (Infopédia), além dos termos científicos, mais recentes, vexilologia, «estudo das bandeiras, das suas simbologias, usos, co...

Pergunta:

A pergunta é: alguma vez, nalgum texto em português europeu, o termo terno (Brasil) foi usado com essa semântica («fato completo de três peças»)?

A questão surgiu após debate com alguém que afirma ter já lido num texto talvez antigo, em português europeu, o termo, com o mesmo significado que tem hoje no Brasil.

Resposta:

No sentido de «fato, traje de três peças», terno tem tido escasso ou nulo uso em Portugal. Com efeito, as atestações lexicográficas e literárias sugerem que a palavra ocorre muito pontualmente com esse significado, donde se infere que, entre falantes portugueses, nunca terá sido corrente como sinónimo de fato.

Em dicionários publicados em Portugal entre os meados do século XIX e o primeiro quartel do século XX, o registo do substantivo terno, que genericamente significa «conjunto de três entidades, seres, objetos etc. de igual natureza» (Dicionário Houaiss), não inclui tal aceção1. Nos dicionários portugueses mais recentes, este vocábulo já tem associado o significado em apreço, mas sempre classificado como brasileirismo.2 Quanto a pesquisas em coleções de textos, a consulta do conjunto histórico do Corpus do Português (de Mark Davies) revela que a palavra ocorre tardiamente em textos portugueses, no século XX, e apenas em referência a situações ou figuras relacionadas com o Brasil.

 

1 Foram consultados O Novo Diccionario da Lingua Portugueza (1849), de Eduardo de Faria; o Thesouro da Lingua Portugueza (5.º vol, 1874), de Frei Domingos Vieira; o Novo Diccionario da Lín...