Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

As palavras francês, vendaval e garagem são palavras derivadas?

Resposta:

A palavra francês deriva do radical de França, ou seja, franc-, que ocorre, por exemplo, em franco, na aceção de «nome de povo da Germânia que invadiu o Norte da Gália».

Contudo, os outros dois casos não são palavras derivadas, mas, sim, empréstimos provenientes do francês:

vendaval – «[do] francês vent d'aval 'vento de baixo, vento da costa', por oposição a vent d'amont 'vento do nascente; vento do interior' [...]»  (Dicionário Houaiss, 2001).

garagem – «[do] francês garage (1802) 'ação de fazer os barcos entrarem em uma doca', (1865) 'ação de fazer os vagões de trem entrarem em uma estação', (1891) 'galpão de veículos, garagem'» (idem; as datas são relativas a atestações dos significados da palavra).

Pergunta:

Diz-se esmaiar-se, ou desmaiar-se?

Obrigado.

Resposta:

Na norma-padrão do português, diz-se desmaiar. A forma esmaiar também tem registo nos dicionários, mas é uma variante pouco ou nada usada atualmente (cf. Corpus do Português de Mike Davies). Esta, com origem no latim *exmagāre 'perder as forças', é mais antiga que desmaiar, forma que terá surgido por reinterpretação de es- como o prefixo des-1.

Note-se que o verbo, na aceção de «perder os sentidos», é geralmente usado intransitivamente e sem o pronome se: «ele desmaiou». No entanto, pode ter associado um pronome reflexo, quando significa «perder a cor» (cf. J. Malaca Casteleiro, Dicionário Gramatical de Verbos Portugueses, Texto Editores, 2007, s. v. desmaiar).

1 Cf. 1.ª edição (2001) do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (desenvolveram-se as abreviaturas). A etimologia proposta por esta fonte é algo contraditória, porque filia esmaiar no francês, ao mesmo que a considera forma vulgar do português: «[Do] francês antigo esmaïer 'espantar-se, desfalecer', do latim *exmagāre 'perder as forças', derivado do germânico magan 'ter força, poder'; de mesma origem, ocorrem em português [a] forma erudita esmagar e a vulgar esmaiar, que, por permuta do prefixo, se tornou desmaiar [...].»

Pergunta:

Gostaria que me informassem acerca do processo de formação da palavra assustadiça. Partindo do adjetivo assustada, penso que será derivada por sufixação, mas se considerar o nome susto, talvez seja por parassíntese.

Estou confuso. Podem ajudar-me nesta dúvida?

Obrigado.

Resposta:

Assustadiço deriva por sufixação de assustado.

O sufixo -iço, sufixo que geralmente denota as ideias de 'propensão' ou 'disposição'1, pode associar-se a adjetivos que têm origem em particípios passados:

assustado → assustadiço

alagadoalagadiço

morto → mortiço

Também ocorre com adjetivos sem essa origem:

enfermoenfermiço

E pode ainda associar-se a bases nominais:

outonooutoniço

O caso de assustadiço é, portanto, de derivação sufixal, e não de parassíntese.

Para se falar de parassíntese, teria a palavra assim derivada de ter associados um prefixo e um sufixo em simultâneo, como acontece com adormecer (a-+dorm-+-ecer) ou amanhecer (a-+manh-+-ecer). Não é este o caso de assustadiço, porque os elementos a- e -iço não se agregam ao mesmo tempo a susto; pelo contrário, do radical de susto forma-se primeiro o verbo assustar, cuja derivação é classificável como parassintética. É o radical de uma forma deste verbo, o particípio passado assustado, recategorizado como adjetivo, que faculta a base de derivação do adjetivo em causa: assustad-+-iço.

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Pergunta:

Queria saber se estou a pronominalizar corretamente o verbo nesta frase:

«Ela bem podia i-los escolhendo a dedo, que nunca acertava.»

Obrigado.

Resposta:

O que apresenta está teoricamente correto, mas tal possibilidade do sistema aparece nunca ou raramente realizada, pelo que será preferível associar o pronome pessoal átono ao auxiliar podia: «ela bem os podia ir escolhendo»

Em alternativa, poderá juntar o pronome ao gerúndio, mas esta é uma opção discutível: «ela bem podia ir escolhendo-os».

Pergunta:

Queria saber qual é a razão por que subir é com b se tem a sua origem em latim subire e, pelo tanto, deveria ser com v, já que o b do latim é intervocálico.

Obrigada!

Resposta:

Pode supor-se que o verbo subir terá sido condicionado por um processo de transmissão erudito ou semierudito, que teria retardado esse processo, mas não é certo.

É verdade que o b intervocálico latino passa muitas vezes a v em português1: amabat > amava; faba > fava; caballu > cavalo; habere > haver; gubernare > governar. Sendo assim, seria efetivamente de esperar que subir fosse *suvir, dado que vem do latim subire, «vir debaixo de algo, ir-se aproximando de um lugar alto vindo de baixo» (Dicionário Houaiss).

No entanto, acerca do castelhano subir, cognato do verbo português (e praticamente seu homófono), considera o Dicionário Crítico Etimológico Castellano e Hispánico, de Joan Coromines e José Pascual, que o contexto vocálico do verbo em latim era de molde a retardar o referido fenómeno fonético: as vogais o e u, precedendo b, contribuíram para a conservação desta consoante bilabial em palavras castelhanas como cobarde (= cobarde ou covarde), cobija (= cobertura, cobertor) ou sobaco (= sovaco). Observe-se, porém, que a hipótese formulada em relação ao castelhano cai pela base quando aplicada ao português, língua em que se conhecem os casos de covarde e...