Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Saudações cordiais de além-mar! Há algum tempo que estou a acompanhar vosso sítio de esclarecimentos sobre o português. Agradeço-vos imensamente pela riqueza linguística que é apresentada aqui.

Sei que a maioria, senão quase todas as apalavras iniciadas por (AL) têm origem árabe, tanto é que meu sobrenome se grafa desta forma:

«Albuquerque». Estudo português europeu, desde que adquiri o livro de professor António Emiliano: «Fonética do Português Europeu - Descrição e Transcrição». Esse fenómeno de abertura da vogal (A) átona nessas palavras ocorre por quê? (algodão, alqueire, alfazema). É tradição da língua pronunciá-las abertas devido a origem árabe? De qualquer modo, em «nacional, estadual, especial», etc. Ocorre o mesmo. Obs.: Coloquei as setinhas («») no lugar das aspas porque estava a aparecer um código estranho. Muito obrigado!

Resposta:

É verdade que muitas palavras começadas por al- foram transmitidas pelo árabe, mas tal não significa, em relação às que têm essa história, que elas sejam inteiramente árabes.

Sobre Albuquerque - que antes de ser apelido era e é um topónimo da Estremadura espanhola, da província de Badajoz, onde tem a forma Alburquerque1 –, afigura-se muito duvidosa a ideia de ser inteiramente árabe. No dicionário onomástico do filólogo brasileiro Antenor Nascentes (1886-1972)2, defende-se que este topónimo tem origem na expressão latina alba quercus, ou seja, «carvalho branco». Esta tese é muito discutível e, dada a prolongada presença árabe na referida região espanhola, há quem considere que o topónimo evidencia essa influência, embora não completamente.

Com efeito, o historiador e arabista espanhol Vallvé Bermejo3 considera-o um híbrido resultante da interação do árabe com uma forma latina, por sua vez adaptação de um topónimo pré-romano. Alburquerque corresponde portanto a al- (artigo árabe), a burj («torre» em árabe; cf. o topónimo português Alvorge) e a uma forma pré-romana e pré-indo-europeia *karka, em que se distinguirá uma raiz remota *kal- ou *kar, que denotaria de modo muito genérico a noção de «pedra». Esta raiz parece igualmente encontrar-se em topónimos peninsulares como Cárquere" (

Pergunta:

Nos nomes dos religiosos, após Padre "X", Frei "Y", Fulano "Z", os religiosos inserem um código de duas letras, de significado nebuloso e  que não vejo em lado nenhum explicado. Uns escrevem "SJ" após o nome; outros apõem "SI", [...]  e outras siglas ainda. Contrariando todas as regras do bom uso de siglas, eles não as explicam em lado nenhum, assumindo – erradamente – que toda a gente as saberá ou deverá saber, coisa de que eu duvido muito. O que significarão, ao certo, essas siglas misteriosas?

Resposta:

Sobre  as siglas das  ordens  e congregações religiosas católicas, poderão ser feitas consultas aqui.

Como se poderá ver, a sigla SJ (ou SI) representa a expressão latina Societas Iesu (ou Jesuitae), ou seja, trata-se da Companhia de Jesus, os  Jesuítas (cf. Enciclopédia Católica Popular, versão em linha). E  OP está por Ordo Praedicatorum, ou seja, Ordem dos Pregadores, mas conhecidos por Dominicanos (cf. idem).

Pergunta:

No início do passeio pedonal do guincho existe um sinal vertical com a inscrição "pedovia". Esta palavra existe?

Resposta:

A palavra em questão (com o significado de «faixa para caminhadas ou corrida»), não está dicionarizada, mas tem uso, por muito discutível que seja a sua formação à luz de padrões mais regulares e tradicionais para a formação de palavras em português.

Com efeito, é uma palavra que tem por modelo ciclovia, «via/faixa para bicicletas», e ferrovia, «caminho de ferro». Note-se, porém, que o elemento pedo- não é forma mais correta de denotar a noção de «pé», frequentemente associada em compostos ao elemento pedi-, de origem latina: pedicura, pedimetria.

Mesmo assim, substituir "pedovia" por uma forma mais canónica como "pedivia" poderá ser problemático, dado que o termo em discussão já encontra certa força de uso em referência a obras públicas (cf. aqui). Além disso, retomando o exemplo de pedimetria, observa-se que este e outros casos ostentam a forma pedo-, muito embora, como se disse, esta não se aconselhe em alusão a «pé» (cf. Dicionário Houaiss s. v. pedi-).

Uma alternativa a pedovia, menos económica, mas mais consistente do ponto de vista linguístico, será o emprego de expressões como «via pedestre» ou «itinerário pedestre», ou, ainda, «faixa/via para/de peões». Outras soluções: «percurso pedestre» (quando sinalizado) e, no Brasil, calçadão.

Um rótulo para azedar qualquer vinho
Erros na comercialização de produtos

É irrelevante a qualidade linguística dos textos que aparecem nos rótulos? Parece que não, mesmo quando se comercializam produtos nacionais no mercado estrangeiro – sustenta Carlos Rocha neste apontamento.

Pergunta:

É possível explicarem-me em que contextos é que iniciar uma frase com «Claro que» não é correto? Quando é que se exige a colocação do verbo ser antes de claro (e.g. «É claro que»)?

Muito obrigado.

Resposta:

Não tenho conhecimento de fontes de doutrina normativa que considerem «claro que» uma expressão incorreta. A diferença que se nota entre esta e as suas versões mais extensas ou completas –«é claro que», ou «está claro que», ou, ainda, «fique claro que» – está exatamente no facto de que estas últimas são mais explícitas. Mas o uso de «claro que» é também aceitável, sobretudo em textos que peçam um tom mais conciso ou ágil, como pode ser o caso de certos textos de opinião ou em certas crónicas jornalísticas, até de época mais recuada; por exemplo:

«O sr. Vicente Pindela foi demitido, dizem, por pedir, mas o governo ter-lhe-ia provocado o pedido d' exoneração, enviando o nosso ministro em Londres, Luís de Soveral, a negociar com os prestamistas da Holanda sobre as reduções da dívida externa portuguesa. Claro que sendo a legação da Haia uma representação diplomática habitualmente morta, e indo à Holanda um negociador extraordinário, precisamente no instante em que havia já alguma coisa que fazer, a utilidade da legação portuguesa em Haia fica assim oficialmente posta em dúvida [...].» (Fialho de Almeida, Os Gatos, 5.º vol., in Corpus do Português de Mark Davies)