Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«Existem exemplos de boas práticas relativamente ao registo do PCI por parte de grupos de folclore português (com a necessária e valiosa colaboração autárquica).»

Como considerar aqui a expressão «boas práticas»? E qual o significado «boas práticas», quando isolada?

Obrigado.

Resposta:

Na frase em questão, «boas práticas» significa «maneiras adequadas e eficazes de conservar o PCI [=património cultural imaterial]».

«Boa prática» é uma expressão que se fixou em português há já mais de uma década e que tem atualmente registo dicionarístico:

«Conjunto das técnicas, processos, procedimentos e atividades identificados, utilizados, comprovados e reconhecidos por diversas organizações, em determinada área do saber, como sendo os melhores quanto ao mérito, eficácia e sucesso alcançados pela sua aplicação na realização de uma tarefa.» (dicionário da Porto Editora, em linha na Infopédia)

É a tradução do inglês «best practice», termo que se consagrou na teoria da gestão de empresas e da administração pública (cf. Oxford English Dictionary; ver também Best practice na Wikipédia em inglês).

Pergunta:

Está à venda nas livrarias um livro da Editorial Presença com o título A História me Absolverá sobre o julgamento de Fidel Castro pelo regime de Fulgencio Batista em 1953. Se lermos este excerto que a editora disponibilizou, podemos concluir que este livro está escrito na versão europeia do português. O título não deveria ser A História Absolver-me-á? Ou a mesóclise não é obrigatória neste caso?

Resposta:

No português de Portugal, o título deveria apresentar a mesóclise – ou seja, a colocação do pronome pessoal átono no interior das formas do futuro do indicativo (absolver-me) e do condicional (absolver-me-ia) –, uma vez que o pronome me se combina com uma forma verbal do futuro do indicativo numa frase declarativa afirmativa sem qualquer palavra pré-verbal que obrigue à próclise (p. ex.: «não me absolverá), isto é, à colocação do pronome pessoal átono (no caso, me) a preceder o verbo. Este é o critério geral, pelo que a frase mais correta será «a História absolver-me-á

No entanto, mesmo no português de Portugal, querendo sublinhar enfaticamente a relevância de uma afirmação, é possível a próclise: «A História me absolverá» = «certamente que a História me absolverá». Trata-se de uma situação excecional, ainda que, no título, não seja de excluir alguma interferência do original em espanhol, língua em que só é possível a próclise em contexto declarativo: La Historia me Absolverá.

Pergunta:

Queria saber se, com as novas regras do Acordo Ortográfico quanto ao não uso, já, do hífen nas locuções que têm elementos de ligação, devemos escrever "azuis-e-brancos" – como se pode ver nesta notícia na página da RTP, do dia 15/01 p.p. – ou, agora, «azuis e brancos».

[Na terminologia muito própria do futebol, "azuis-e-brancos" (ou, antes, «azuis e brancos»?), lembremos que se usa para denominar a equipa do Futebol Clube do Porto, cujas camisolas dos jogadores têm essa cor.]

Os meus agradecimentos.

Resposta:

No quadro do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) e tendo em conta a interpretação que os vocabulários ortográficos atualizados fazem da sua Base XV (secções 1 e 6) deverá escrever «azul e branco», sem hífen1.

Não é claro que, antes da aplicação do AO 90, se hifenizassem as unidades lexicais constituídas por dois adjetivos coordenados, isto é, ligados pela conjunção e. No Brasil, casos como os de verde-e-amarelo ou preto-e-branco exibiam hífen ao abrigo do Formulário Ortográfico de 1943, que vigorou no Brasil até ao fim de 2008, como evidencia a 1.ª edição do Dicionário Houaiss, publicada em 2001. No contexto da Convenção Ortográfica de 1945, vigente em Portugal até meados de 20152, os vocabulários ortográficos correspondentes não registam exemplos deste tipo (cf. Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa de 1940 e Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, 1966); já a 1.ª edição do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001) inclui a entrada verde-e-branco, como o mesmo que «sportinguista», isto é, «adepto do Sporting Clube de Portugal», mas apresenta «preto e branco», sem hífenes, como subentrada de preto. Conclui-se, portanto, que ...

Pergunta:

O plural de odre diz-se com o o fechado tal como no singular ("ôdres")?

Resposta:

Os registos mais antigos da palavra indicam que se pronuncia com o fechado no singular (cf. Portal da Língua e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).  Por razões históricas, o plural deste vocábulo é também com o fechado: [ô]dres. No entanto, mais recentemente, o dicionário da Porto Editora também regista com o aberto quer o singular quer o plural.  Em suma, existem atualmente duas pronúncias para a mesma palavra, mas, atendendo à tradição, justifica-se recomendar aqui as formas de singular e do plural com o fechado: [ô]dre, [ô]dres.

Pergunta:

Qual a forma correcta de dizer:

«O meu filho foi aceite na escola», ou «o meu filho foi aceito na escola»?

É que no Brasil utilizam esta última frase como sendo correcta.

Resposta:

Ambas as formas estão corretas, mas têm a particularidade de terem uso em variedades diferentes da língua portuguesa.

Em Portugal diz-se e escreve-se corretamente aceite para os dois géneros. No Brasil, emprega-se aceito e aceita, porque são estas as formas corretas no português brasileiro.

Leiam-se, sobre este assunto, os Textos Relacionados indicados nesta página.