Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
436K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que é uma revolução cultural? E uma revolução industrial?

Obrigado.

Resposta:

As definições aqui expostas são as facultadas pela dicionarística e, portanto, não poderão ser exaustivas. Assim, citando o Dicionário Houaiss (revolução, no Dicionário Houaiss), diga-se que uma revolução é uma «série de acontecimentos de ordem cultural que caracterizam uma significativa mudança dos padrões culturais de uma nação ou sociedade qualquer». Quanto a revolução industrial, emprega-se geralmente esta expressão com maiúsculas iniciais – «Revolução Industrial» –, para designar o «conjunto das transformações socioeconômicas iniciadas por volta de 1760, na Inglaterra (e mais tarde nos outros países), e caracterizadas esp. pela substituição da mão-de-obra manual pela tecnologia (tear mecânico e máquina a vapor, a princípio), seguida da formação de grandes conglomerados industriais» (idem, ibidem; manteve-se a ortografia da edição consultada, de 2001, portanto, anterior à aplicação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa).

Pergunta:

Existe a palavra "revesil" ? A minha mulher refere-se a isso como sendo a parte terminal da manga, confeccionada em malha!?...

Resposta:

A forma correta é revesilho ou revessilho.

Vários dicionários registam estas formas; cite-se, por exemplo, o Grande Dicionário da Língua Portuguesa (1991) de José Pedro Machado:

«Revesilho, s.m. Linha de pontos que na meia se dão às avessas em todo o comprimento dela até ao calcanhar, e na qual fecha com os mates [remate, acabamento] o conjunto das malhas; feição especial da meia que resulta de o ponto ser dado às avessas. || De revesilho, às avessas, de esguelha.»

A mesma fonte também acolhe revessilho, que define como «o mesmo que revesilho».

Outros dicionários mais recentes também consignam as duas formas, mas não a que o consulente apresenta (cf. Priberam e dicionário da Porto Editora). "Revesil" será, portanto, uma alteração destas formas que não está dicionarizada nem parece ser aceite.

Pergunta:

Quando nos referimos ao discurso de uma pessoa, devemos dizer que o mesmo é "hiper-eloquente", "hiper eloquente", "hipereloquente" ou "híper eloquente"?

Resposta:

Escreverá hipereloquente" sem hífen e com o prefixo hiper- agregado a eloquente, ou seja, em adjunção à sua base de derivação. 

O uso deste prefixo não foi alterado pelo Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90): só ocorre o hífen, quando a palavra prefixada começa por h (hiper-humano) ou r (hiper-rugoso) – cf. Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, e AO 90. Antes de outras consoantes ou de vogal, junta-se à palavra prefixada: hipersensível, hiperagressivo ou hiperespacial.

Pergunta:

O diminutivo do substantivo colher é "colherzinha" ou "colherinha"?

Obrigada.

Resposta:

Usam-se a duas.

Colherzinha é forma regular do diminutivo colher, que, como substantivo terminado em consoante (excetua-se -s e -z)*, forma esse grau com a forma sufixal -zinha: colherzinha, como florzinha, animalzinho. No entanto, tem-se mantido a possibilidade de, neste caso, empregar um derivado mais antigo, formado pelo substantivo e pelo sufixo -inha: colherinha (também florinha).

* As palavras terminadas em -s e -z, juntam o sufixo -inho: paisinho (país), nozinha (noz).

Pergunta:

Por que razão [no português de Portugal] camião se lê [kamiˈɐ̃w̃]? Em que, em ca, se diz [ka] (à) – á aberto – e em ladrão se lê [ɐ] (â) – á fechado –, sendo as duas palavras, ladrão e camião palavras agudas? Das duas palavras referidas, apenas ladrão vai ao encontro da regra de que em sílabas átonas se lê [ɐ]. Assim, visto a sílaba tónica ser [dɾɐ̃w̃], a sílaba la, lê-se [lɐ], pois não é uma sílaba tónica. Então, por que razão não ocorre o mesmo na palavra camião em que pronunciamos [kamiˈɐ̃w̃]?

Obrigada.

Resposta:

Há duas razões:

– Embora geralmente, um a em sílaba átona soe fechado como o a da primeira sílaba de ladrão, é possível aparecerem também em sílaba átona ás abertos: Camões (= [ká...]), inflação ([..flá...]), ator ([á...]).

Camião é adaptação do francês camion, que tem á aberto na primeira sílaba. Sendo assim, a palavra francesa foi adaptada ao português mantendo o á aberto, ainda que ocorra em posição átona, o que não era impossível, no contexto da fonologia portuguesa, por já haver exceções à regra.