Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a origem da palavra jeca?

Resposta:

Os substantivos jeca e jeca-tatu, segundo o Dicionário Houaiss, significam «habitante do interior brasileiro, especialmente da região Centro-Sul, de hábitos rudimentares, morador da zona rural». A mesma fonte anota que os vocábulos têm origem no «nome da personagem [Jeca-Tatu] do conto Urupês (1918), de Monteiro Lobato (1882-1948, escritor brasileiro), tornado substantivo comum». José Pedro Machado, no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (Livros Horizonte, 2003), sugere que Jeca, como nome próprio, é alteração de Zecahipocorístico de José.

Pergunta:

Ao apresentar uma lista de palavras formadas pelo sufixo -ança (abastança, chegança, chibança, chupança, cobrança, etc), Houaiss (2009) cita "constança". Ao buscar esta entrada tanto em Houaiss (2009) como também no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras (2009), não encontrei nenhum resultado. Em ambos, apenas a forma constância. Assim, uma pergunta advém: a forma "constança" é inexistente no léxico comum da língua portuguesa?

Resposta:

A forma Constança é, no português contemporâneo, um nome próprio de pessoa e um topónimo (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico, Livros Horizonte, 2003), e não um nome comum sinónimo ou variante de constância, «qualidade do que é constante» (cf. Dicionário Houaiss e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Pode, no entanto, encontrar-se essa forma, em correspondência com a forma latina constantia, numa obra do século XVIII – Indiculo (1716), de António Franco (1662-1732)*. É, portanto, legítimo concluir que constança é variante arcaica de constância.

* Na fonte aparece constanciae, ae, e não a forma correta em latim clássico, constantia, ae.

Pergunta:

Qual a origem da palavra jangada? Ameríndia (tupi), ou asiática (malaiala)?

Resposta:

Sobre o nome comum jangada, parece consensual a atribuição da sua origem ao malaiala, língua do grupo dravídico (ao qual pertence o tâmil), que se encontra especialmente concentrado no Sul da Índia. Transcreva-se, portanto, a nota etimológica que o Dicionário Houaiss (edição brasileira de 2001) dedica a este vocábulo:

«[do] malaiala cʰanggāᵈam, "balsa, dois barcos ligados para passagem nos rios", filiada ao sânscrito sánggaᵈ, "junção de dois objetos iguais; justaposição; contraposição"; segundo [Sebastião Rodolfo] Dalgado, a acepção "naire que guia ou guarda com o empenho da própria vida" explica-se por extensão de sentido "a ligação moral e indissolúvel de um indivíduo nobre, que empenha nisso a sua honra, a sua vida e até a sua família, e se faz amouco, se é necessário".»*

Outras fontes que apresentam etimologia igual ou semelhante: António Geraldo da Cunha, Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa (2.ª edição, Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1986); José Pedro Machado, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, 4.ª edição, Lisboa, Livros Horizonte, 1987); Antenor Nascentes, Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Rio de Janeiro, 1955).

* Segundo a mesma fonte, nai...

Pergunta:

Gostaria de saber qual das duas frases está correta: «faz sentido», ou «tem sentido»? Será que me poderia esclarecer esta dúvida?

Muito obrigada desde já.

Resposta:

As duas expressões estão corretas e são sinónimas:

«fazer sentido»: «ter significado; ser compreensível, lógico» (Dicionário Houaiss)

«ter sentido»: «não ser descabido; ser aceitável, concebível» (idem).

Acrescente-se que a expressão «não faz sentido» ocorre muitas vezes no discurso argumentativo, embora como simples bordão que acaba por não ter nenhuma força argumentativa (ver Textos Relacionados).

Pergunta:

A palavra leitura é considerada palavra simples, ou complexa? Qual o seu processo de formação e a sua forma de base?

Resposta:

A palavra leitura é uma palavra complexa, analisável do seguinte modo: leit- + -ura. Note-se que o radical é semierudito, mantendo o t  do radical do particípio passado latino (lectu-) que lhe serve de base de derivação. Trata-se, portanto, de uma palavra complexa, cuja análise inclui aspetos diacrónicos, isto é, relacionados com a história da própria palavra, e, portanto, não faz parte dos casos mais típicos de derivação no português atual. No contexto do ensino não universitário, não constitui o melhor exemplo para quem se inicia no estudo da derivação (ver Textos Relacionados).