Pergunta:
Tenho certa crença nas "convulsões" de que fala Ricardo Araújo Pereira:
«Recepção escreve-se com p atrás do ç. É assim porque o p provoca uma convulsão no e – sem lhe tocar. E eu tenho alguma afeição por quem consegue fazer isso.
Ler mais aqui.
Não preciso de o dizer [...] [e] não vos pretendo, portanto, maçar mais nesse âmbito, pelo que me refiro agora ao caso do verbo poder.
a) pod<e
b) pud<e
Ora, terá o u esse venerável poder de provocar uma dessas «convulsões sem contacto» no e próximo? Para esta palavra, não nos custa listar mais um parzinho idêntico: «poder/puder»... Mas haverá fundamento linguístico para esta sugestão? E noutras palavras, há traço do fenómeno?
Agradecido.
Resposta:
O contraste entre pude e pode não é da mesma ordem que o existente entre recepção e receção.
Sobre o caso de recepção/receção, há respostas anteriores.
Sobre o contraste entre formas da flexão do verbo poder, diga-se que a abertura do timbre da vogal temática e, do tema do pretérito perfeito, é uma característica dos verbos irregulares da 2.ª conjugação (e de estar e dar, da 1.ª conjugação). Trata-se de uma particularidade bastante antiga, porque ocorre também em galego, com o qual o português tem uma história comum até ao século XIV. Justifica-se, pois, transcrever sobre este assunto o que diz Manuel Ferreiro, em Gramática Histórica Galega (Edicións Laiovento, 1996, 310):
«[...] [A]ctualmente os paradigmas verbais apresentan na VT [vogal temática] dos tempos do Pretérito a oposición [é] nos verbos regulares, fronte a [έ] nos irregulares. A razón residirá na nivelación da VT nos verbos regulares a partir de formas maioritarias con [é] dos tempos do tema de presente, fronte aos verbos irregulares con pretérito forte, en que se mantivo a diferenza fonética na VT polo afastamento formal entre o tema de presente e de pretérito.»
É certo que, pelo menos, no português de Portugal, a vogal do radical de certas formas do presente e do pretérito perfeito do verbo poder (aquelas em que essa vogal não recebe acento tónico) é hoje foneticamente a mesma (não parece sê-lo fonologicamente). Confronte-se, por exemplo, podemos e pudemos, cujas primeiras sílabas são homófonas, tendo ambas [u]. Mas não se deve pensar que, nestes casos, os gr...