Pergunta:
Venho por meio deste tentar sanar uma dúvida quanto à melhor forma de grafar as variantes sassânida e árabe do precursor do latim moderno, o chaturanga indiano. Eles são respectivamente o chatrang e o shatranj. Segundo as parcas fontes que encontrei, nenhuma delas em português (Hage, Louis. Encyclopédie maronite, Volume 1: Universidade Santo Espírito, 1992 p. 165; Ivkov, Borislav. Alfil Malo: Editorial Paidotribo, 2002 p. 207), o primeiro poderia ser grafado "chatrange", embora me tenham sinalizado recentemente que talvez no português desse algo como "chatrangue" ou coisa parecida. Do segundo, eu achei uma fonte italiana (Pacioli, Luca. Gli scacchi di Luca Pacioli: evoluzione rinascimentale di un gioco matematico: Aboca museum, 2007 p. 133), segundo a qual apenas se usa shatranji, embora em itálico, o que ainda leva a mais dúvidas que o primeiro, ainda mais quando consideramos que no português, via de regra, sh fica ch e/ou x (ex.: paxá).
Resposta:
Não tenho conhecimento de as palavras em causa terem chegado a ser adaptadas à fonética, à morfologia e à ortografia do português. Como se trata de palavras de uso raro, podemos sempre manter os termos usados internacionalmente, desde que os assinalemos em itálico ou entre aspas: shantranj e chantrang. No entanto, arrisco-me a propor que a forma árabe corresponda a xatranje, e a persa, a chatrangue, considerando os seguintes critérios:
– Em relação a xatranje – shantranj na transliteração para inglês, que se tornou também a forma internacional em alfabeto latino, e, em árabe شطرنج –, começa esta palavra por uma consoante fricativa pré-palatal surda, segmento que o árabe representa pela letra ش (shim ou xime). Geralmente, nos arabismos do português, tal letra corresponde a x1, e não a ch, já desde a Idade Média. É, portanto, mais coerente com a tradição portuguesa escrever xatranje, com x, do que adotar uma forma com ch, ou seja, "chatranj". Na restante sequência de letras em português, é ainda de assinalar o uso de j, e não de g, antes de e: apesar de, em muitos arabismos, a consoante fricativa pré-palatal sonora que se representa pela letra árabe ج (jime) aparecer depois grafada com g antes de e ou i (algeroz, algibeira), não se afigura ilegítima a transliteração portuguesa com j, de modo a assinalar que tal segmento não tem relação com a pré-palatal que evoluiu do G latino (por exemplo, gente ou agir).