Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Como se designa um praticante de padel?

Resposta:

Usa-se a forma padelista, que a Federação Portuguesa de Padel não parece adotar. Seja como for, padelista é uma forma adequada, derivada regularmente de padel, por adjunção do sufixo -ista (cf. maratona > maratonista).

Uma observação sobre a forma padel, que significa «desporto de raquete, jogado a pares e utilizando raquetes e bolas próprias», «[cujo] campo é retangular, totalmente fechado, tem 10 metros de largura por 20 de comprimento e uma rede no meio»: em registos audiovisuais, noto que o nome desta modalidade desportiva é pronunciado como "pádel". Atendendo a esta articulação, e porque o nome tem origem no inglês paddle, que tem acento tónico na primeira sílaba (transcrição fonética: [’pad(ə)l]), parece-me mais adequada a grafia pádel – de resto, igual à que é usada em espanhol –, porque é a que está em correspondência exata com essa pronúncia.

Pergunta:

Na frase «Chegou a altura de perguntar: para que serve tudo isto?», a palavra tudo classifica-se como um pronome indefinido, ou um quantificador?

Resposta:

Na sequência «tudo isto», tudo é um pronome indefinido.

O Dicionário Terminológico, destinado a apoiar o ensino da gramática nos níveis escolares básico e secundário em Portugal, é omisso sobre esse tipo de sequências, mas a Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 916), considera que se trata de uma sequência de dois pronomes, um indefinido (tudo) e outro demonstrativo (isto).

Pergunta:

«A terça parte», correspondendo a «um terço», pode considerar-se um quantificador numeral fracionário?

Resposta:

No contexto dos ensinos básico e secundário de Portugal, não há termo especial para  expressões como «a terça parte». No entanto, os linguistas reconhecem a sua relação com os quantificadores e os fracionários. Por exemplo, na Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian:

«Expressões como a maioria, a maior parte, uma minoria, etc. podem ser consideradas numerais fracionários. Todavia, não denotam uma quantidade exata (nem em termos absolutos nem em termos relativos). Distinguem-se de outras expressões indefinidas como alguns ou parte de por terem implícito um numeral, ´meio` ou ´metade`. As duas primeiras significam ´mais de metade`, e a terceira, ´menos de metade´. Essa pressuposição de um valor numérico específico não se verifica no caso de alguns ou parte de

Parece-nos, portanto, possível classificar «a terça parte» como quantificador numeral fracionário. Mas voltamos a sublinhar que esta classificação não faz parte da terminologia usada em Portugal nos ensinos básico e secundário.

Pergunta:

Dos erros de língua que os falantes produzem, os que mais me inquietam são, sem dúvida, o desrespeito pela reminiscência do sistema casual latino (o célebre *«vi ela») e a falta de sensibilidade estética em colocando os pronomes pessoais com função de complemento (o não menos omnipresente *«porque sentei-me»). Logo a seguir vêm aquelas deformações expressivas das formas do presente do conjuntivo:

(i) «Estás pr'aí a estrabuchar... Tu queres é que eu te *"deia" uma boa palmadona!»

(ii) «Mas se tu não me falas, porque é que queres que eu *"vaia" à festa?»

Gostaria de saber se apontais alguma explicação para este arrebatado prolongamento tão caricato...

Resposta:

As formas "deia" (ou "dea") e "vaia" são bastante antigas e constituem variantes da língua que permaneceram no português mais popular e, portanto, nos dialetos regionais. A sua explicação é histórica e beneficia do confronto com a língua medieval e a atual língua galega.

1. "Deia"

A forma é registada pela Revista Lusitana (XIV, p. 300, e XX, p. 157) sempre a propósito de dialetos a norte do rio Douro.

É resultado da epêntese de um [i] na forma "dea", documentada desde a Idade Média, no período galego-português, como aponta Manuel Ferreiro, na sua Gramática Histórica Galega (Edicións Laiovento, 1996, p. 321), a propósito do galego:

«A forma medieval do presente do subxuntivo é etimolóxica: DĔM > , fechado modernamente nos pontos onde foi conservado. De todos os xeitos, a forma maioritaria galega é dea, formada por adición dun sufixo modal-temporal de segunda ou terceira conxugación, resolvida dialectalmente em día, con tratamento fonético regular do hiato -éa- [...], documentándose xa no período medieval, tanto na lírica como na prosa, as dúas formas. [...]»

Sabendo da história comum do português e do galego na Idade Média, parece possível generalizar ao português o que o autor galego afirma.

2. "Vaia"

É forma atestada dialetalmente, pelo menos, desde 1914 (cf. Revista Lusitana, XVII, p. 158, a propósito do cancioneiro popular da Madeira).

Também é de supor que a forma "vaia" seja bastante antiga, uma vez que se encontra em galego (e em espanhol, sob a forma vaya). Manuel Ferreiro (op. cit., p. 205) refere-se a "vaia", observando o seguinte:

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da palavra Isna, que corresponde ao nome de uma ribeira situada nos concelhos de Oleiros e Sertã.

Resposta:

É controversa a origem de Isna.

Há quem considere que o nome se relaciona com a palavra árabe hisn, «fortaleza». Há outros autores que consideram que o nome remonta ao latim asinus ou, melhor, à forma correspondente do género feminino, asina, isto é, «burro», «burra». Na região em que o rio corre, tendo em conta que durante grande parte, até finais do século XII, se encontrou aí frequentemente a fronteira noroeste do território árabo-islâmico, torna-se mais plausível a hipótese arábica.