Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
437K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Deparei-me, durante a leitura de um jornal brasileiro (Folha de São Paulo), com a expressão «empurrar com a barriga». A título de curiosidade, tentei encontrar a origem da palavra empurrar, e os dicionários gerais nada me dizem sobre sua etimologia. Na mesma expressão, também não sei da etimologia de barriga. Enfim, saberiam me dizer a origem das palavras empurrar, barriga e de que forma elas formaram partes desta expressão idiomática?

Resposta:

Transmito e transcrevo a informação facultada pelo Dicionário Houaiss.

O verbo empurrar tem etimologia obscura, embora possa considerar-se que tem relação com o espanhol empujar. Quanto a barriga, trata-se de um forma divergente (por extensão metafórica) de barrica, que terá a seguinte origem (idem): «fr. barrique (1455) "id.", com orig. prov. no gaulês *barrica, do qual também se origina a f. vulg. barriga e barril; segundo alguns autores, talvez conexo com [a raiz] bar-, uma vez que a barrica é feita de barras; var. divg. vulg. barriga, ´ventre` p. ext. metf. da forma bojuda da barrica à parte do corpo [...].»

Quanto à locução «empurrar com a barriga», que é um brasileirismo com o significado de «não tomar as providências necessárias; adiar soluções» (idem), não pude ter acesso a informação precisa sobre as circunstâncias históricas que motivaram o seu aparecimento e a sua fixação no uso. O mais que consigo inferir é que a expressão é uma metáfora, sugerindo um atitude preguiçosa e negligente, que não envolve muito esforço consciente e organizado.

Pergunta:

Durante a leitura do livro Luzia-Homem, obra datada de 1903, do escritor brasileiro (e de Sobral, estado do Ceará) Domingos Olímpio, deparei com a expressão «ficar a panos de vinagre» no contexto «Tivera eu a sua força, não precisaria de arma: quebrava-lhe a cara safada que ficaria a panos de vinagre» (Domingos Olímpio, Luzia-Homem, cap. IV, p. 13). Desconfio que a locução, de cunho idiomático, é herança lusitana. Diz-se assim em Portugal também? E, se sim, qual o sentido?

Resposta:

Na atualidade, a expressão é pouco usada em Portugal. Mas há atestações no passado, por exemplo, no século XIX, em autores portugueses, tal como se verifica com autores brasileiros: «Achou o rei de cama todo em panos de vinagre» (Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, p. 106). Depreende-se que «a panos de vinagre» significa muito doente». Acrescente-se que o vinagre é utilizado para embeber compressas (ou seja, «panos»), como remédio caseiro para fazer baixar a febre.

Pergunta:

Na vossa resposta à pergunta Os graffiti é indicado que graffiti é um estrangeirismo, e que «[e]m português, para designar o mesmo, temos o termo grafito, já existente em dicionários portugueses desde o século XIX, com o significado de "inscrição em paredes ou monumentos antigos" e que ganhou também aquele significado mais recente». O que me deixa com uma nova dúvida: como designar o autor sem recorrer ao estrangeirismo graffiter?

Resposta:

Atualmente já se usa grafiteiro, pelo menos a avaliar por certas páginas da Internet: «Grafiteiro português cria impressionantes murais 3D» (título de notícia do serviço em língua portuguesa da BBC, 13/12/2014). A palavra também já está dicionarizada, por exemplo, no Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia) e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Tal como o verbo grafitar.

Pergunta:

Já li as respostas à questão da subclasse do verbo parecer e concordo com os argumentos, mas no livro Cão como nós de Manuel Alegre surge a seguinte frase: «... o canil que lhe parecia uma prisão.» Podemos considerar que nesta frase o verbo é transitivo? Se não podemos, que função sintáctica desempenha o pronome lhe?

Agradeço desde já a atenção dispensada ao assunto.

Muito obrigado.

Resposta:

O verbo parecer é um verbo copulativo e, como tal, não é considerado um verbo transitivo – pelo menos de acordo com o Dicionário Terminológico (para apoio do ensino básico básico e secundário em Portugal). Quando o verbo em apreço ocorre com o pronome lhe, mantém-se a sua classificação de verbo copulativo.

A isso mesmo faz referência a Gramática do Português da Fundação Calouste Gulbenkian (2013, p. 1313), quando o descreve como verbo copulativo:

«Parecer, como verbo de cópula, tem um sentido muito próximo, se não idêntico ao do seu homólogo pleno, denotando crença numa situação construída com base numa evidência percetual, ou simplesmente obtida a partir de terceiros; essa crença, no entanto, não é forte; ou seja, o uso de parecer veicula um certo grau de incerteza na atribuição da propriedade ou do estado à entidade repreentada pelo sujeito. Este verbo pode combinar-se com um pronome dativo, que representa o experienciador da crença (cf. a Maria parece-lhe doente); neste caso, o falante assere [afirma] que um determinado indivíduo, designado pelo pronome, atribui de forma não categórica uma propriedade ou um estado do sujeito (a Maria estar doente, na frase dada como exemplo). Em alternativa, o verbo pode ser usado sem complemento indireto (cf. a Maria parece doente), significando, nesse caso, que o experienciador da crença é o próprio falante.»

Em suma, apesar de parecer poder ser usado com um complemento indireto, este facto não faz com que o verbo seja classificado como transitivo. Trata-se, portanto, de um verbo copulativo que tem um complemento indireto de ocorrência não obrigatória.

Pergunta:

Vai para 10 anos, fiz-vos uma pergunta no website para a qual, embora vos esteja grato por ma tentarem dar, ainda não obtive resposta satisfatória. Ponho-a outra vez, pedindo que me seja explicado, s.f.f., qual o raciocínio por detrás de [feminismo, e não "femininismo",  ser forma correta] , mas "masculinismo" ser aceitável (?!).

Resposta:

1- O substantivo feminismo não se formou regularmente. É termo que foi adaptado do francês, de acordo o Dicionário Houaiss: «[do] fr. féminisme (1837) "doutrina que visa à extensão dos papéis femininos"» (trata-se da mesma etimologia proposta por Antônio Geraldo da Cunha, Dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa). Féminisme  tem formação erudita, segundo o Trésor de la Langue Française (CNRS): «Dér. du rad. du lat. femina (femme*); suff. -isme*.»*

*Tradução livre: «derivado do radical do latim femina (mulher); sufixo -isme)

2- Em português, seria possível a forma regular "femininismo", com duas sílabas praticamente iguais repetidas, em alternativa a feminismo, mas quis a história da língua que este, e não aquele, se fixasse no uso. Não se atesta relação histórica direta entre "femininismo" e feminismo: a queda de uma dessas sílabas (haplologia)* poderia explicar feminismo, mas não é obrigatória; basta lembrar que se diz corretamente competitividade, e não se aceita  "competividade" (apesar de ser palavra usada).

*O termo haplologia é um conceito descritivo e não normativo.

3- Como se assinala na resposta em causa, apenas ...