Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Encontrei este pressuposto verbo "entrevir" numa pesquisa no vosso site relativamente a interveio. Efectuei então uma pesquisa sobre este pressuposto verbo "entrevir" e não existe! Ou será que existe?

Obrigado.

Resposta:

O verbo entrevir existe, tem registo dicionarístico, mas no português contemporâneo tem baixa frequência, como observa o Dicionário Houaiss, que o descreve como variante popular do semicultismo intervir, esta, sim, forma generalizada ao uso corrente. Apesar disso, encontra-se em dicionários brasileiros como o Dicionário Houaiss e o Dicionário Michaelis. E também tem entrada em obras produzidas em Portugal nos séculos XIX e XX, por exemplo, como sinónimo de intervir, no dicionário de Domingos Vieira (1872) e no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado.

Pergunta:

Consultando as regras de concordância, eu me deparei com a possibilidade de, em algumas construções frasais, duas regras diferentes concorrerem.

Por exemplo, existe (1) a regra de concordância quando os núcleos do sujeito são formados por verbos no infinitivo e (2) a regra de concordância quando os núcleos do sujeito composto são ligados por ou. Exemplo: «Escovar os dentes com a torneira aberta ou tomar banho demorado GASTA(M) muita água.»

Afinal, nessa frase, (1) segue-se a regra de concordância do sujeito com verbos no infinitivo, a saber: o verbo deve ficar obrigatoriamente na 3.ª pessoa do singular (gasta), ou (2) segue-se a regra de concordância dos núcleos do sujeito composto ligados pela conjunção ou com valor aditivo, o que levaria o verbo gastar ao plural (gastam)? Em outras palavras, qual das duas regras devemos seguir e qual frase está certa: 1) «Escovar os dentes com a torneira aberta ou tomar banho demorado GASTA muita água», ou 2) «Escovar os dentes com a torneira aberta ou tomar banho demorado GASTAM muita água»?

Resposta:

A resposta que procura – exposta em termos não muito categóricos –, encontra-a na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, 1984, pp. 506/507), de Celso Cunha e L. F. Lindley Cintra:

«Quando os sujeitos são dois ou mais infinitivos, o verbo fica no singular:

Olhar e ver era para mim um recurso de defesa. [José Lins do Rego (...)]

Fazer e escrever é a mesma coisa. [João de Araújo Correia (...)]

Vê-lo e amá-lo foi obra de um minuto. [Raquel de Queirós (...)]

Mas o verbo pode ir para o plural quando os infinitivos exprimem ideias nitidamente contrárias:

Em sua vida, à porfia,

Se alternam rir e chorar. [Alberto de Oliveira (...)].»

Observe-se, porém, que no caso em discussão a coordenação dos infinitivos é feita por meio da conjunção disjuntiva ou, e não com a conjunção copulativa e. Com efeito, a coordenação de sujeitos por meio de ou torna ainda menos forçosa a concordância no plural, embora não a exclua (ver Cunha e Cintra, op.cit, pág. 508/509 e Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa, Editora Lucerna, 2002, pág. 557).

Sendo assim, maior margem existe para aceitar e até recomendar a concordância no singular com um sujeito constituído por dois infinitivos coordenados por ou:

(1) «Escovar os dentes com a torneira aberta ou tomar banho demorado gasta muita água.»

Pergunta:

A questão que venho aqui colocar é relativamente ao artigo definido. Sempre que desejo referir um livro, fico com dúvidas em relação ao emprego do artigo, se devo usá-lo ou não. Antes de vos escrever, deambulei pelo vosso site à procura de resposta e até acho que a encontrei. Porém, não sabendo se a regra se poderá aplicar à minha incerteza, decido, mesmo assim, colocá-la.

Em 2008 foi questionado o seguinte: «A respeito da capital de Moçambique, diz-se "o Maputo", ou "Maputo", sem artigo?»

Como resposta, a sra. Maria Regina Costa explicou: «Quando se designa o rio, utiliza-se o artigo, pois os nomes dos rios são precedidos de artigo: «o rio Maputo», «o Maputo». Quando se designa a cidade, a regra geral é a da omissão do artigo.»

Pois bem, esta regra aplica-se quando refiro algum livro quando posso usar simplesmente o título como resposta?

Exemplo:

— Ontem acabei de ler um livro.

— Que livro leste?

A resposta deverá ser: «li "A Casa Negra"» ou «li o/a "A Casa Negra Negra"»? Também fico com dúvidas de como utilizar o artigo definido, porque o próprio título já o contém — "A" — e é feminino. Mas, e no caso de o título se encontrar no masculino, «O Homem Que Perseguia o Tempo», eu deveria responder: «ontem li o "O Homem Que Perseguia o Tempo"», ou devo omitir o artigo "O", uma vez que o próprio título já o contém?

Grato pela vossa atenção.

Resposta:

Apenas se usa o artigo que é inerente ao título:

(1) Li A Casa Negra/O Homem Que Perseguia o Tempo.

Quando se pretende usar uma contração (da, no, pela), Celso Cunha e Lindley Cintra observam o seguinte (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 210; mantém-se a ortografia original):

«Quando a preposição antecede o artigo definido que faz parte do título de obras (títulos, revistas, jornais, contos, poemas, etc.) não há uma prática uniforme. Na língua escrita, porém, deve-se neste caso:

a) ou evitar a contracção, pelo modelo:

Camões é o autor de Os Lusíadas.

A notícia saiu em O Globo.

b) ou indicar pelo apóstrofo a supressão da vogal da preposição:

Camões é o autor d´Os Lusíadas.

A notícia saiu n´O Globo.

Tenha-se presente que as grafias "dos Lusíadas" e "no Globo" – talvez as mais frequentes – deturpam o título do poema e do jornal em causa.»

Pergunta:

A língua portuguesa adoptou o termo de compadres para identificar a relação que passará a existir entre pais e padrinhos de alguém acabado de baptizar. Não se conhece, no entanto, nenhum termo que identifique a relação particular entre pais de marido e de esposa, para além do geral, sogros.

Estarei enganado?

Resposta:

É legítimo o uso de compadre como sinónimo de consogro, isto é, «pai da nora ou do genro», assim como comadre também pode ocorrer como o mesmo que consogra, «mãe da nora ou do genro». O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa registam compadre não só como «padrinho de uma pessoa em relação aos pais desta» mas também como «pai do genro ou da nora, em relação aos sogros deste ou desta»; esta possibilidade reflete-se em paralelo com comadre, a que as referidas fontes também associam o significado de «mãe da nora ou do genro». O plural compadres refere-se ao casal formado pelo compadre e pela comadre.

Pergunta:

Há correlação entre as palavras gajo (Portugal), gajo e gajim (ciganos), e gaijin (Japão)?

Todas parecem significar «pessoa», genericamente, ou «pessoa estrangeira» ao grupo que a emprega.

Resposta:

O termo português gajo, através da forma gajão (ou talvez gájão, não atestado), tem origem no chamado caló dos ciganos, de acordo com o Dicionário Houaiss: «cigano esp. gachó, "camponês, homem adulto"; na Espanha, gachó e gachí (fem.) referem-se a pessoas não ciganas.» Já o japonês gaijin não tem relação nem com o caló cigano nem com o português, também tendo em conta a etimologia proposta pelo Dicionário Houaiss: «[gaijin] jap. gaijin, de gai-, "externo, estrangeiro" + -jin "pessoa"».