A pergunta pode ser feita ao contrário: porquê o conjuntivo na sequência «que se possa nem se deva divulgar» (onde temos a coordenação de dois verbos auxiliares), e não o indicativo como acontece na sequência «que não se pode nem se deve divulgar», que ocorre na segunda frase? Diga-se que o uso do conjuntivo na relativa dessa primeira frase – «[esta não é notícia] que se possa nem se deva divulgar» – se relaciona com a negação do predicado «é notícia», de que faz parte o antecedente «notícia».
A diferença entre as duas frases em questão é a mesma que existe, por exemplo, entre estas outras:
1. Este livro não é obra que me agrade.
2. Este livro é obra que não me agrada.
Em 1, o verbo da oração subordinada relativa – «agrade» – está no conjuntivo, o que está correto, enquanto em 2. o verbo da oração subordinada relativa – «agrada» – está no indicativo, o que está também correto. A opção entre o conjuntivo e indicativo prende-se com a maneira como é construída a negação: em 1, a oração relativa de conjuntivo faz parte de um predicativo do sujeito que é negado («este livro não é obra que....»), e, sendo assim, o verbo correspondente aparece no conjuntivo («...que me agrade»). Na frase 2., a negação só afeta o predicado da oração relativa que tem por antecedente «obra»: «...obra que não me agrada».
Estas observações não constituem novidade para a descrição gramatical. Por exemplo, Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, Rio de Janeiro, 2002, pág. 282), anota que uma oração relativa tem o verbo no conjuntivo «[..] depois de um predicado negativo, ou de uma interrogação de sentido negativo quando enunciam uma qualidade que determine e restrinja a ideia expressa por esse predicado ou interrogação:
"Não há homem algum que possa gabar-se de ser completamente feliz.
Quem há aí que seja completamente feliz? [...].»
Voltando à primeira frase em questão – «esta não é notícia que se possa nem se deva divulgar» –, a presença da conjunção coordenativa nem, que tem valor negativo, a ligar os dois auxiliares («possa nem deva divulgar....») deixa pensar que a relativa tem afinal o seu próprio predicado parcialmente negado. Se isto é verdade, então uma frase como «esta não é notícia que se possa nem se deve divulgar» estaria correta, quanto na verdade não está, porque a coordenação entre os dois auxiliares os põe a ambos na dependência do predicado a que estão subordinados e que é negado («não é obra que...»).
O que acontece nessa estrutura de coordenação tem que ver com um outro mecanismo da negação em português – o da concordância negativa. Consiste esta na ocorrência na mesma frase de mais de um constituinte negativo, muitas vezes envolvendo eventuais orações subordinadas, como acontece nos seguintes exemplos colhidos na Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 2003, p. 791), de M.ª Helena Mira Mateus e outras autoras: «não quero ver ninguém». Este tipo de concordância também ocorre na primeira frase em discussão, com a particularidade de afetar o operador de coordenação: assim como «ele quer que lhe falem e que o ajudem» passa na negativa «ele não quer que lhe falem nem que o ajudem», também «esta é notícia que se pode e se deve divulgar» passa a «esta não é notícia que se possa nem se deva divulgar». Ou seja, a negação do verbo que faz parte do predicado negado e subordinante («não é notícia que...») obriga a marca de coordenação que ocorre no interior da sequência subordinada a tomar a forma negativa. Esta concordância não se afigura forçosa, porque o operador da coordenação pode ser o da forma afirmativa (ainda que haja quem tenha reservas quanto à aceitabilidade deste uso): «ele não quer que lhe falem e que o ajudem»; «não é notícia que se possa e se deva divulgar».
O que acaba de ser descrito nos dois últimos parágrafos não será muito relevante para quem tem o português como língua materna. No entanto, fica aqui o registo desta subtileza do idioma, que será com certeza útil para quem o estuda como língua estrangeira.