Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de ver esclarecida uma dúvida sobre a presença dos complementos indireto e oblíquo.

Na frase «Fiz um desenho para a Lúcia», o constituinte «para a Lúcia» desempenha a função de complemento oblíquo, ou de complemento indireto?

Não está correta a substituição «Fiz-lhe um desenho»? O complemento indireto é sempre introduzido pela preposição a? A preposição para não pode introduzir esta função?

Obrigada pela vossa disponibilidade.

Resposta:

O constituinte «para a Lúcia» é um complemento oblíquo que marca o beneficiário da ação.

Não é consensual a análise dos grupos preposicionais introduzidos por para, que marcam o beneficiário de uma ação. No entanto,  a consulta da Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1176-1180) permite apurar que:

– o grupo preposicional introduzido por para não tem o mesmo comportamento sintático e nem sempre tem a mesma interpretação que o grupo preposicional introduzido por a (substituição por lhe; além do valor semântico de beneficiário, também pode ter associados os de origem – «ele comprou um carro [ao vizinho] para o filho» – e destinatário – «ele entregou os documentos [ao contínuo] para a professora»);

– a preposição para introduz um complemento oblíquo com o valor de beneficiário (papel temático), porque é argumento verbal, embora este não seja de realização obrigatória, conforme explica a GP (p. 1176):

«Tal como os complemento indiretos com o papel temático de origem ou de destinatário, os sintagmas preposicionais com o papel temático de beneficiário são argumentos opcionais dos verbos com os quais ocorrem, podendo ser omitidos sem prejuízo da gramaticalidade das frases. Nesse caso, a interpretação mais natural é aquela em que o beneficiário é semanticamente indefinido (alguém), podendo, em certos casos, corresponder ao sujeito da oração (como em o Pedro construiu uma casa, frase da qual se infere, num contexto neutro, que a casa é para benefício do próprio Pedro).»

Assim, esta passagem permite perceber que o complemento oblíquo em questão pod...

Pergunta:

Gostaria que me ajudassem a agrupar em subclasses as respetivas locuções adverbiais:

a cada passo; à toa; às direitas; com certeza; de mais; de novo; de vez em quando; em breve; em silêncio; no entanto; por conseguinte; sem dúvida; a custo; ao acaso; às vezes; com efeito; de mais a mais; de repente; em cima; em vão; passo a passo; por consequência; a sós; ao contrário; de menos; de resto; em geral; por acaso; por isso.

Muito agradecido.

Resposta:


Sugerimos a seguinte classificação, com apoio na que é feita em relação aos advérbios no Dicionário Terminológico. As locuções estão distribuídas pelas subclasses de advérbios constante no DT, mas é passível de revisão, porque algumas podem ser ambíguas:

Locuções adverbiais de predicado

Valor de modo: «à toa»; «às direitas»; «em silêncio»; «a custo»; «ao acaso»; «de repente» (pode ser também conectivo em contexto narrativo); «a sós»; «ao contrário»; «por acaso»; «em vão»;

Valor temporal: «de novo»; «de vez em quando»; «em breve»; «a cada passo»; «passo a passo»; «às vezes»;

Valor locativo: «em cima».

Locuções adverbiais de frase: «com certeza»; «sem dúvida»; «em geral».

Locuções adverbiais de quantidade e grau: «de mais»; «de menos».

Locuções adverbiais conectivas: «no entanto»; «por conseguinte»; «com efeito»; «de mais a mais»; «por consequência»; «por isso»; «de resto».

Pergunta:

Venho, por este meio, pedir que me esclareçam, se possível, o seguinte:

Estava eu numa discussão saudável, com um grupo de amigos, partilhando conhecimentos, troca de ideias, argumentando e debatendo assuntos, quando um dos amigos proferiu a seguinte frase:

«... nessa altura, já era vivo...»

Pessoalmente não concordo com a construção da frase. Será que estou certa?

Foi tema para mais um dos nossos debates, sem chegarmos a acordo.

Tenho consultado vários sites, sem sucesso.

Por favor não ignorem este meu pedido!

Ajudem-me a chegar ao português correto!

Agradeço desde já.

Resposta:

A frase a que se refere usa-se apenas de modo jocoso, em alternativa à expressão «quando já era nascido»:

«Mas isso foi há muitos anos, na idade do fogareiro e do candeeiro de chaminé, e nessa altura ainda ele não era nascido» (José Cardoso Pires, A República dos Corvos, 1999, in Corpus do Português).

Note-se que, apesar de nascer ser um verbo intransitivo e não admitir voz passiva, a expressão «ser nascido» é frequentemente usada no imperfeito como maneira de o falante referenciar datas e acontecimentos em relação à sua própria biografia ou à de outra pessoa: «quando a guerra começou, eu já era/ainda não era nascido»; «quando o muro de Berlim caiu, ela ainda não era nascido». É equivalente ao pretérito mais-que-perfeito do verbo nascer: «quando a guerra começou, eu já tinha nascido.» Para salientar o facto de alguém ser contemporâneo de uma dada época passada ou se encontrar vivo no momento em que se fala, emprega-se «era/é vivo»: «O meu trisavô era vivo, quando o Homem chegou à Lua»; «O meu tetravô ainda é vivo.»

Pergunta:

Gostaria de saber se há alguma diferença entre usar «a menos» e menos em frases do tipo «Marina tem vinte anos, eu tenho dois anos a menos» (ou «menos»); «Naquela época, eu tinha três anos menos» (ou «a menos»).

Obrigado.

Resposta:

A locução «a menos» significa «menos que o devido», «em quantidade menos que a esperada» (cf. Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Português Contemporâneo, Editora UNESP, 2003).

Recorrendo à intuição de falante do português de Portugal, parece-me que, para referir simplesmente a diferença etária, se usa «menos» da seguinte maneira:

(1) «Marina tem vinte anos, eu tenho dois anos menos.»

(2) «Marina tem vinte anos, eu tenho menos dois anos.»

Pergunta:

Na frase «Gostei muito de ter assistido a este espetáculo» – «ter assistido» está em que tempo?

Resposta:

Trata-se do infinitivo impessoal composto ou pretérito.

No Dicionário Terminológico (DT), trata-se do modo infinitivo, uma forma verbal não finita que, como tal, não varia em tempo. Uma gramática que aplica o DT – a Domínios – Gramática da Língua Portuguesa (Plátano Editora, 2011, pág. 99 e 114), de Zacarias S. Nascimento e M.ª Céu Vieira Lopes – recupera terminologia mais antiga para classificar formas constituídas pelo infinitivo do auxiliar ter e um particípio passado como «forma composta do infinitivo impessoal». Nessa mesma gramática, dá-se a esta forma uma interpretação aspetual perfetiva, isto é, relativa a uma ação ou um processo concluídos.