Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de conhecer a origem da expressão «depois é que foram elas».

Muito obrigado.

Resposta:

Não se sabe como surgiu historicamente a expressão em causa. No entanto, existem várias expressões populares em que ela e elas ocorrem no discurso sem uma referência precisa, mas são interpretáveis como «coisa» e «arrelias, dificuldades»: «ela por ela» = «não haver grande grande diferença de qualidade ou quantidade entre duas coisas»; «elas por elas» = «de igual modo, da mesma forma»; «agora/aí/aqui é que são elas!» (a expressão em causa na pergunta) = «exclamação com que o orador reconhece estar perante uma séria dificuldade»; «andar com ela fisgada!» = «estar a preparar qualquer coisa secretamente; estar premeditando qualquer medida, golpe, vingança, etc.»; «dar por ela» = «notar descobrir alguma coisa secreta»; «saber como elas me, te, etc. doem/mordem» = «estar consciente das consequências sérias que decorrem de determinado ato, atitude, etc.» (António Nogueira Santos, Novos Dicionários de Expressões Idiomáticas – Português, Lisboa, edições João Sá da Costa, 2006).

Pergunta:

No contexto de [uma] derrota do Benfica (em 14/05/2014), surgiu na boca de muito boa gente a expressão «os benfiquistas ficaram com um melão...».

Gostaria de perguntar se alguém sabe de onde vem a expressão...

Grato pela atenção.

Resposta:

Nas fontes de que disponho não encontro uma explicação factual nem exata de como a expressão surgiu. No entanto, o Dicionário de Expressões Correntes (Lisboa, Editorial Notícias, 2000), de Orlando Neves, regista que, com o mesmo significado («apanhar uma grande deceção/desilusão»), existem expressões como «ficar com uma cabeça», «ficar com uma grande cachola», «ficar com uma grande pinha/mona». Afonso Praça, no seu Novo Dicionário do Calão (Lisboa, Casa das Letras, 2005), observa que todas essas expressões são sinónimas de «ficar com uma grande cabeça» (manteve-se a ortografia original):

«Ficar com um grande cabeça – Ser ludibriado; ficar desapontado, desiludido; sofrer uma grande decepção. [Existem diversas expressões correspondentes a "ficar com uma grande cabeça". Temos, assim, "ficar com uma grande cachola; ficar com um grande melão; ficar com uma grande mona; ficar com uma grande pinha. Tanto "cachola" como "melão", "mona" e "pinha" significam "cabeça". Mas, em vez de "ficar com uma grande cabeça", podemos dizer ainda: "ficar com um grande pneu", "ficar com um grande nariz" e "ficar com uma grande penca". Enfim, é tudo o mesmo que "ficar de beiça caída" ou, então, "ficar de orelha murcha".]»

Acrescente-se que melão é metaforicamentre o mesmo que cabeça. Sendo assim, fica por desvendar o motivo que levou a criar «ficar com uma grande cabeça». Contudo, pode supor-se que cabeça esteja também por expressão ou cara, já que «ficou com uma cara» se emprega em referência a uma situação semelhante à aqui descrita, ou seja, quando alguém ficou espantado ou desapontado por alguma razão.

 

Cf. 

Pergunta:

Solicito que me esclareçam se existe a palavra sequelar que tantas vezes vejo escrita em relatórios de imageologia.

Muito obrigado.

Resposta:

O adjetivo sequelar não tem registo em dicionários gerais, mas figura no Dicionário de Termos Médicos, de Manuel Freitas e Costa (disponível na Infopédia). Significa «pertencente ou relativo a uma sequela» e pronuncia-se com ditongo crescente ue: sequelar, "secuelar".

Pergunta:

Na frase «é por ela ser simpática que lhe dou o bolo», porque é que usamos o pronome de objeto no masculino? Porque é que não dizemos «é por ela sê-la»?

Muito obrigada pelo vosso trabalho.

Resposta:

O pronome o usa-se para referir um predicativo do sujeito ou uma oração. Nesse caso, tem valor demonstrativo:

(1) «A Joana era feliz e foi-o durante muito tempo.»

(2) «A Joana disse que se demitia e fê-lo logo a seguir.»

Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 340) observam que «[...] no singular masculino, [o] equivale a "isto", "isso", "aquilo", e exerce as funções de objeto direto ou de predicativo, referindo-se a substantivo, a um adjetivo, ao sentido geral de uma frase ou de um termo dela: "O valor de uma desilusão, sabia-o ela" (Miguel Torga [...]); "não cuides que não era sincero, era-o" (Machado de Assis [...]); [...] "Ser feliz é o que importa/ Não importa como o ser!" (Fernando Pessoa [...]).»

Pergunta:

Gostaria de saber o porquê de as formas verbais é e és serem acentuadas. Em qual regra estão enquadradas?

Resposta:

Os acordos ortográficos (incluindo o Acordo Ortográfico de 1990) não referem as formas em apreço, mas a acentuação de é e és enquadra-se, por exemplo, no mesmo caso de hás, referido na Base XLIII do Formulário Ortográfico de 1943 (que foi a norma ortográfica no Brasil até 2009):

«1.ª – Assinalam-se com o acento agudo os vocábulos oxítonos que «terminam em a, e, o abertos, e com o acento circunflexo os que acabam em e, o fechados, seguidos, ou não, de s: cajá, hás, jacaré, pés, seridó, sós, dendê, lês, pôs, trisavô, etc.»

Este preceito não sofre alteração com o novo acordo.