Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A palavra viés pode ser usada (no contexto de ciências experimentais e estatística) com o sentido de erro sistemático originado por causas alheias ao normal desenrolar das experiências? (Isto é, o que em inglês se chama bias.)

Resposta:

É legítimo usar viés com o significado descrito na pergunta, uma vez que a palavra se encontra assim definida, por exemplo, no Dicionário Houaiss: «tendência geral ou determinada por forças externas. Ex.: o viés inflacionário de certa medida econômica» (ver também o iDicionário Aulete). Outra palavra possível é enviesamento, tal como é usada numa tradução para o português de Portugal:

«The clarification of 8 May that the Governing Council aims to maintain inflation rates below, but close to, the upper bound of the definition, shows the ECB´s commitment in providing a sufficient safety margin to guard against the risks of deflation and also addresses the issue of the possible presence of a measurement bias in the HICP and the implication of equilibrium inflation differentials within the euro area.»

«A clarificação efectuada a 8 de Maio, de que o Conselho do BCE visa manter as taxas de inflação num valor inferior mas próximo do limite superior da definição, revela o empenhamento do BCE em proporcionar uma margem de segurança suficiente para a prevenção contra os riscos de deflação e contempla igualmente a possível existência de um enviesamento de medida do IHPC e as implicações da possível existência de diferenciais de inflação de equilíbrio no seio da área do euro.»

Pergunta:

Como se deve pronunciar o nome Eduardo?

É correto dizer "Iduardo"?

Muito obrigado.

Resposta:

Em Portugal, é correto dizer "iduardo". Tradicionalmente, no começo de palavra, em sílaba átona pré-tónica, um e é pronunciado ou lido como [i] — embora haja exceções. Não é, contudo, o caso de Eduardo, normalmente "Iduardo", talvez mais entre os falantes mais velhos do que entre os mais novos.

Pergunta:

Qual é a forma correta de pronunciar-se a palavra envelhecimento: com o e aberto em "envèlhecimento", ou fechado?

Resposta:

No português europeu, a pronúncia-padrão apresenta dois ee mudos (e não fechados) na sequência silábica átona -velhe- da palavra envelhecimento, conforme a transcrição fonética do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa ([ẽvɨʎɨsiˈmẽtu]; ver também Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora). No entanto, existe realmente a pronúncia "envèlhecimento", com e aberto na sílaba átona -ve-, sobre a qual não há censura normativa explícita; portanto, julgá-la incorreta é uma inferência que se faz a partir do facto de ela não obedecer à regra geral do vocalismo átono do português europeu.

Mas, dado que existem muitas exceções a esta regra, havendo palavras derivadas que mantêm o timbre da vogal da sílaba tónica da base de derivação (por exemplo, bela > belamente), não se vê razão para rejeitar "envèlhecimento" (que integra velh-, o radical de velho, que tem e aberto), podendo esta ser aceite como uma variante não maioritária. Um caso semelhante ocorre com velhice, cuja primeira sílaba, que é átona, é articulada quer com e mudo (soando "v´lhice") quer com e aberto ("vèlhice") por falantes de Portugal.

Pergunta:

«"Mas em que raio de complicação é que nos fomos meter!?" — desabafou o Silva para/ao/com o Fagundes.»

Deve-se escrever: «desabafou para», «desabafou ao», «desabafou com»?

Muito obrigado.

Resposta:

Recomenda-se «desabafar com» (cf. Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses, Coimbra, Livraria Almedina, 1994, de Winfried Busse, e Vocabulário — Regime Preposicional de Verbos Lisboa, Didática Editora, de Cármen Nunes e Leonor Sardinha).

Pergunta:

Se se considerar a forma de construir o verbo amandar, com o prefixo a-, à imagem de atirar (a- + tirar), percebemos que existe uma similitude de sentidos distintos entre as acções que estes dois pares de verbos indicam.

Mais do que comparar amandar com assentar, que tem o mesmo sentido de sentar, alevantar quando é o mesmo que levantar, convém pensá-lo em comparação com tirar e atirar, que têm significados diferentes.

Amandar implica movimento, é sinónimo de lançar, atirar.

Mandar indica uma ordem, implícita (ordenar que uma carta siga de acordo com as normas de envio do correio) ou explícita (mandar que alguém se cale, ordenar, impor, fazer obedecer).

São, claramente, verbos com significado distinto.

De resto, é isto que afirma o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, na entrada amandar: «Etim. a + mandar, lançar-(se), atirar(s), arremessar(se)»; sem qualquer indicação de uso arcaico, regional ou popular. Assim sendo, o verbo existe para lá da oralidade e está inscrito na língua portuguesa (repito, sem regionalismos ou origens diferenciadoras sejam elas geográficas ou cronológicas).

Obrigado e parabéns pelo vosso trabalho.

Resposta:

Parece-me que, a respeito da forma amandar, não se trata de negar a sua expressividade ou a sua coerência morfológica e semântica. O que acontece é que o juízo normativo que sobre ela recai é, por enquanto, negativo. Um falante pode sempre, como faz o consulente, legitimar o uso desta palavra ou daquela construção, mas a verdade é que, se sobre uma forma linguística se generalizou uma apreciação desfavorável no seio de toda a comunidade de falantes ou em certos meios com maior poder sobre os usos linguísticos, torna-se difícil retirar-lhe essa carga negativa, por muito injusta que ela seja. No caso, de amandar, dada a sua popularidade, é possível que nos encontremos no caminho de a tolerar no português europeu. Mas, por agora, considera-se que o verbo não é aceite pela norma, conforme se diz mesmo numa gramática descritiva, a de M.ª Helena Mira Mateus et al. (Gramática da Língua Portuguesa, 2003, pág. 955; negrito no original):

«[...] a coexistência de um verbo simples com um parassintético estranho à norma do português [...] está igualmente atestad[a]:

(8) baixar     abaixar

     calcar     acalcar

     limpar     alimpar

     mandar   amandar [...]»

Já agora, cumpre-me assinalar que a edição brasileira de 2011 do Dicionário Houaiss tem marca de uso a respeito da entrada amandar: «Regionalismo: Portugal. Uso: informal.» Há, portanto, uma indicação sobre o contexto ou registo em que esta forma verbal costuma ocorrer.