Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é correcto aqui: «Compra o livro da edição de 1980, ou uma...» — «de antes», «d´antes», «dantes»?

Há alguma diferença de uso entre eles, ou é tudo igual?

Resposta:

Não é tudo igual.

Tendo em atenção a frase proposta, a forma mais adequada é «de antes», uma vez que se pretende dizer «anterior»: «Compra o livro da edição de 1980, ou uma de antes.» Note que «de antes» não se contrai.

A forma dantes não é uma contração e significa «antigamente». Não tem, portanto, aqui cabimento, pois resulta estranha uma sequência como «Compra o livro da edição de 1980, ou uma antigamente».

Quanto a "d´antes", com apóstrofo, não se usa.

Pergunta:

Sobre a palavra co-residente, não sei se é assim que se escreve e gostaria que me ajudassem a perceber. Com a adoção do novo acordo, terá a palavra sido alterada, por causa do hífen?

Obrigada.

Resposta:

Escreva corresidente, como corredator ou coocupante. Sobre o prefixo co-, recorde-se que o Acordo Ortográfico de 1990 determina (Base XIX, 1):

«Obs.: Nas formações com o prefixo co-, este aglutina-se em geral com o segundo elemento mesmo quando iniciado por o: coobrigação, coocupante, coordenar, cooperação, cooperar, etc.»

Pergunta:

Gostaria de saber por que razão, segundo os novos programas de Português, as onomatopeias são consideradas um processo irregular de formação de palavras e não se encaixam/formam uma classe de palavras.

Obrigada.

Resposta:

O contexto desta pergunta é relativo à aplicação do Dicionário Terminológico (DT) no ensino da gramática nos níveis básico e secundário em Portugal.

1. Na produção de onomatopeias não há regularidades morfológicas, dependendo a sua configuração da relação de semelhança que os falantes, com alguma arbitrariedade, encontrem entre um som da natureza e os sons da sua língua. No próprio DT se anota que «[a]s onomatopeias diferem de língua para língua, conforme a percepção dos sons e suas respectivas transposições para o sistema fonológico das diversas línguas». Isto explica que o processo de formação das onomatopeias seja visto como irregular.

2. Dado que, no DT, as classes de palavras se definem sobretudo com base no comportamento das unidades vocabulares no contexto da frase, verifica-se que as onomatopeias não são abrangidas por este critério, uma vez que têm características quer lexicais quer frásicas; por exemplo, bum! representa o evento que tanto é designado pela palavra explosão como representado pelas frases «explodiu!», «estoirou!» ou «houve uma explosão». Outra coisa será falar de palavras onomatopaicas, que é um termo não incluído no DT, cujo conceito se relaciona com as onomatopeias, mas já envolvendo a presença de sufixos flexionais e o desempenho de funções sintáticas. Casos como o do substantivo tique-taque («o tique-taque do relógio») ou o do verbo tiquetaquear, embora tenham origem numa onomatopeia, têm flexão (no plural, «os tique-taques»; em modo, tempo, pessoa e número, «tiquetaqeuavam») e fazem parte de constituintes frásicos; são, por isso, enquadráveis em classes morfossintáticas.

Pergunta:

Dei por mim a pensar por que razão um estúdio de cinema ou televisão tem esse nome. Saberão responder-me?

Como sempre, grato pela vossa atenção e pelas vossas respostas.

Resposta:

Apesar da sua aparência latina, a palavra estúdio, nas aceções de «recinto apropriado e equipado para realização de determinados trabalhos, como gravação sonora ou de imagem, revelação de filmes etc.» e «conjunto de prédios, locações etc. nos quais são filmadas as cenas externas e internas de filmes (mais usado no plural)» (Dicionário Houaiss), é de facto um empréstimo do inglês studio, «estúdio (nas mesmas aceções)». José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, dá mais pormenores sobre a história da transmissão de studio ao português:

«Do anglo-americano studio, usado primeiramente no sentido de "atelier de pintor, de escultor" (donde "compartimento semelhante ou de utilidade semelhante à de atelier"), depois de atelier de fotógrafo» e, enfim, de "atelier de cinema"; o voc[ábulo] anglo-americano tem origem no it[aliano] studio, "atelier de pintor, de escultor", e este, por sua vez, provém do [...] la[tim] studiu-, a palavra talvez tenha entrado em Port[ugal] por via fr[ancesa]. Séc. XX.»

O Online Etymology Dictionary confirma a etimologia do inglês studio, propondo algumas primeiras datações: como designação de «estúdio de cinema», em 1911; «estúdio de rádio», em 1922; e «estúdio de televisão», em 1938. Não se confirma a transmissão francesa noutras fontes, mas é de supor que a palavra, dada a sua configuração latina e românica, tenha sido adaptada sem dificuldade ao português, com poucos anos de intervalo em relação aos três usos referidos a respeito do inglês.

Pergunta:

Ao ler uma notícia sobre a doença do António Sala, conhecido como sendo colaborador e locutor da Rádio Renascença, fiquei admirada por lhe atribuirem a profissão de radialista. Será esta uma palavra portuguesa, ou emprestada dos brasileiros? É correcto usá-la na língua portuguesa? Agradecia me dessem uma resposta, se possível.

Resposta:

À palavra radialista é realmente atribuída origem brasileira, o que só por si já a faz pertencente à língua portuguesa (cf. Grande Dicionário da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, numa edição de 1991, e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, publicado em 2001). A palavra é conforme aos padrões estruturais do português e, em Portugal, o seu uso conhece atualmente certa popularidade (o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista-a, com significado de «locutor de rádio»): não se vislumbra, portanto, nenhuma incorreção que impeça o seu reconhecimento como palavra legítima.