Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Agradeço esclarecimento quanto ao significado exacto do termo «fixação de texto», que muitas vezes consta da ficha técnica de obras publicadas.

Resposta:

Transcrevo a definição de «fixação de texto» que Maria Isabel Faria e Maria da Graça Pericão registam no seu Dicionário do Livro (Coimbra, Edições Almedina, 2008):

«Trabalho de crítica textual, de natureza estilística e filológica, que consiste na combinação e escolha de variantes de textos diferentes conforme as edições deles existentes, tentando reconstituir um ortotexto1, um restauro do discurso específico do escritor. A fixação de um texto (no sentido de não se verificar a sua alteração) só foi conseguida quando do advento da imprensa, uma vez que até aí os copistas, involuntária ou involuntariamente[,] alteravam  o que copiavam, no primeiro caso devido a distracções ou cansaço,  e no segundo caso por nem sempre concordarem com as opiniões do autor cuja obra transcreviam; a tipografia, criando uma matriz do texto que era sucessivamente impressa, permitiu que ele continuasse íntegro, ressalvando-se apenas algumas (pequenas) alterações quando, no decorrer da impressão, se dava conta de certas incorrecções ou gralhas.»

1 O mesmo que «texto correto».

Pergunta:

"Nombrilismo" existe em português? É sinónimo de egocentrismo? Eis o exemplo, de Clara Ferreira Alves: «O país que gastou milhões [...] em exposições nombrilistas [...]». "Nombrilismus", em textos em alemão, ocorre muitas vezes na Internet.

Obrigado.


Resposta:

É efetivamente sinónimo de egocentrismo, surgido por aportuguesamento do francês nombrilisme (cf. Trésor de la Langue Française, versão em linha), que deriva de nombril, «umbigo», a que se associa o sufixo -isme, correspondente ao português -ismo. É provável que a autora em questão o tenha adaptado por iniciativa própria, porque não o encontro dicionarizado. Este galicismo só se justifica por um efeito estilístico, sugestivo do empréstimo frequente de nomes franceses (por exemplo, fauvismo, de fauvisme, por sua vez, de fauve, «fera», «pintor independente») para identificar vários movimentos nascidos no meio cultural e artístico, a que se alude na frase apresentada pelo consulente por meio da palavra «exposições».

Dito isto, eu diria que a palavra parece criação efémera, cujo significado é veiculado com vantagem por palavras há mais tempo disponíveis no léxico português como egocentrismo ou por criações que considerem a forma vernácula umbigo (cognato do francês nombril), da qual se poderia derivar "umbiguismo", ou o seu étimo latino umbilīcus, cujo radical permanece no adjetivo umbilical e poderá servir de base para a derivação da forma "umbilicalismo". De qualquer modo, compreendo que Clara Ferreira Alves não tenha querido arriscar o uso de um termo sem tradição e tenha preferido adaptar o francês nombrilisme, que tem certa carga de referências culturais.

 

 

Pergunta:

Como é que se pronuncia a palavra paulense, quando se refere a uma localidade chamada Paul? Com um ditongo ([paw.'lẽ.sɨ]) ou com um hiato ([pɐ.u.'lẽ.sɨ])? Já agora, por acaso existe a palavra "paulense", quando se refere a algo chamado Paulo? E como é que se pronuncia?

Muito obrigado!

Resposta:

Como gentílico correspondente a Paul (por exemplo, na ilha de Santo Antão, em Cabo Verde ou no concelho da Covilhã, em Portugal), a palavra tem hiato ("a-u" leem-se separadamente): "pa-u-lense" (transcrição fonética: [pɐulẽsɨ]). Como gentílico de localidades cujos topónimos tenham origem no antropónimo Paulo ou Paula (por exemplo, Monsenhor Paulo e Paula Cândido, em Minas Geras; cf. s.v. paulense, Dicionário Houaiss), a palavra também tem a grafia paulense, mas pronunciada com ditongo "au": "pau-lense" (transcrição fonética: [pawlẽsɨ]).

Pergunta:

O preço pode ser caro ou barato?

Resposta:

A rigor, não: são os objetos ou as mercadoria que são caros ou baratos; os preços podem altos/elevados ou baixos/reduzidos.

No Ciberdúvidas, já existe uma resposta para esta questão, mas acrescente-se agora os comentários de Maria Helena de Moura Neves, no Guia de Uso do Português — Confrontando regras e usos (São Paulo, Editora Unesp, 2003) sobre o uso destes adjetivos. Assim, a respeito de barato:

«A rigor, diz-se que é barata uma mercadoria; dos preços e dos custos diz-se que são baixos, módicos, reduzidos [...]. Entretanto, são usuais, especialmente na imprensa, construções como: As montadoras têm conseguido manter suas vendas, entre outras coisas, porque têm financiamento externo, fornecido por suas matrículas, a custo BARATO. [...] Uma forma de democratizar: preço barato. [...]»

Sobre caro, o comentário é feito em termos semelhantes, aconselhando esta autora que, em relação aos preços, se diga antes que estes são elevados, exorbitantes, exagerados.

Pergunta:

Escreve-se «desequilíbrio», mas na linguagem oral pronuncia-se "desiquilíbrio".

É absolutamente incorreta a forma utilizada "desiquilíbrio", em qualquer caso?

Resposta:

No português europeu, a palavra desequilíbrio é geralmente pronunciada "desiquelíbrio" (transcrição fonética [dɨzikɨˈlibɾju]), embora "desêquelíbrio" (ou seja, [dɨzekɨˈlibɾju]) possa também ocorrer, sem ser motivo de censura.

Em Fonética do Português Europeu — Descrição e Transcrição, de António Emiliano (Lisboa, Guimarães Editores, 2009, pág. 198), figura a palavra equilíbrio, transcrita como [ikɨˈlibɾju], o que está de acordo com a tendência do português europeu para pronunciar o e inicial como [i] (cf. elefante) e centralizar o primeiro i de uma sequência de dois ii em sílabas contíguas (cf. Filipe, pronunciado "felipe"). Sendo desequilíbrio palavra derivada de equilíbrio, é legítimo supor que as propriedades da base, ou seja, equilíbrio, se mantenham no derivado — donde [dɨzikɨˈlibɾju].

O Grande Dicionário da Língua Portuguesa (2010), da Porto Editora, não obstante atribuir apenas esta transcrição a desequilíbrio,1 transcreve equilíbrio de duas maneiras: com [i] e com [e], em posição inicial absoluta pré-tónica. A pronunciação de desequilíbrio com [e] inicial não será, portanto, para ignorar. Por seu lado, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa apresenta a transcrição [dɨzɛkɨˈlibɾiu], com e aberto, mas deve tratar-se de lapso, porque no verbete relativo à base de derivação, equilíbrio, o vocábulo é transcrito com é fechado ([ekɨliˈbrju]. Seria, pois, de esperar que a transcrição [dɨzekɨˈlibɾju] se encontrasse no referido dicionário, e não [dɨzɛkɨˈlibɾiu].

No Brasil, apesar da existência de variantes, a forma mai...