Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

A frase «Começa-se a pendurar os quadros» parece-me correcta.

E «Começam-se a pendurar os quadros» (que pode ser lida como, em tom coloquial, «Os quadros começam-se a pendurar» («arrumam-se os livros...»)?

Resposta:

As duas formas estão corretas:

1. «Começa-se a pendurar os quadros» = «alguém começa a pendurar os quadros» (sujeito indeterminado).

2. «Começam-se a pendurar os quadros» = «começam a ser pendurados os quadros» (passiva pronominal ou reflexa; cf. M.ª Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa; Editorial Caminho, 2003, pág. 531-533).

A frase «Os quadros começam-se a pendurar» é ambígua, visto duas interpretações serem possíveis:

a) «os quadros começam a ser pendurados»;

b) «os quadros começam a pendurar-se».

A interpretação b) só é válida no plano sintático, porque, do ponto de vista semântico-referencial, as propriedades da palavra quadro (inanimado) não são compatíveis com o uso reflexo de pendurar-se, que prevê a realização de um sujeito por um substantivo com o traço [+animado]: «O macaco começou a pendurar-se em todas as árvores.»

Pergunta:

Sendo um verbo que seleciona complemento direto um verbo transitivo direto e um que seleciona complemento indireto um verbo transitivo indireto, como classificamos um verbo que seleciona complemento oblíquo?

Resposta:

Um verbo que seleciona um complemento oblíquo é um verbo transitivo indireto, tal como os que selecionam um complemento indireto (cf. Dicionário Terminológico).

Pergunta:

O nome do meu filho será Théo. Devo manter o acento?


Resposta:

Em português, é de recomendar a forma Teo, sem h nem acento gráfico, muito embora este nome apareça escrito frequentemente como Theo (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa).

Note-se, porém, que a sequência th não faz atualmente parte da ortografia portuguesa.1

Quanto à forma com acento gráfico ("Téo"), refira-se que não é de rejeitar, pelo menos no âmbito de certa prática ortográfica, quando se verifica a existência de formas acabadas em -éo, com acento gráfico, como acontece em beaquéo, cataguéo, cotoguéo, guatiedéo, todas designativas de grupos étnicos entre os índios do Brasil (cf. Dicionário Houaiss).

1 Como aponta o consultor Luciano Eduardo de Oliveira, encontramos th noutras ortografias; por exemplo, Theo em inglês, como forma curta ou hipocorístico de Theodore e Theobald e Théo em francês (sobre estas e outras formas de línguas estrangeiras, consultar o "site" de língua inglesa Behind the Name).

Pergunta:

Acabo de ler na Wikipédia a seguinte frase: «O galego-português (também chamado de galaico-português, proto-galego-português, português antigo, português arcaico, galego antigo, galego arcaico) foi a língua falada durante a Idade Média nas regiões de Portugal e da Galiza (Espanha).» Ouvi dizer que a língua galego-portuguesa medieval era denominada «galego» pelos seus falantes e que por isso a denominação correta do galego-português deveria ser «galego medieval». Gostaria de saber se dita afirmação tem algo de certo.

Resposta:

Não há notícia de que os falantes dos dialetos galegos tivessem uma visão unitária de uma língua a que a chamassem globalmente galego. O mais que acontecia, pelo menos, até ao século XIV, era os falantes da Galiza ou de Portugal dizerem que falavam «em romanço» ou «em linguagem», normalmente por oposição ao latim (ver Henrique Monteagudo, Historia Social da Lingua Galega, Vigo, Galaxia, 1999, págs. 117-12). No entanto, sabe-se (ibidem) que, em finais do século XII, o trovador catalão Jofre de Foixà já distinguia o galego entre outros romances com projeção internacional (francês, provençal e siciliano). Por outro lado, não se pode esquecer que, em meados do século XV, o marquês de Santillana, ao comentar a importância dos poetas galegos e portugueses, dizia que estes compunham em «lengua gallega o portuguesa» (idem, pág. 121). O termo galego-português aparecerá muito mais tarde, com o estudo filológico da poesia medieval de poetas galegos, portugueses e de outras proveniências, que elaboravam cantigas numa modalidade literária do romance desenvolvido na Galiza e no Norte de Portugal. Conclui-se assim que as populações da Galiza e de Portugal não aplicavam de forma estável, pelo menos, até ao século XIV, um nome à língua que falavam, nem teriam consciência de poderem formar uma única comunidade linguística — situação para a qual terá certamente contribuído a formação precoce de uma fronteira política em meados do século XII.

Cf. Porque é que o Galego é tão idêntico ao Português?

Pergunta:

Gostaria de saber qual das expressões seguintes é a correcta e qual é o significado de cada expressão indica: «Igualdade no género», «Igualdade de género» e «Igualdade entre os géneros».

Resposta:

Quando se quer falar de igualdade de direitos, deveres e oportunidades para todos os géneros humanos,1 a expressão que se fixou no uso é «igualdade de género», como atesta o próprio nome de uma entidade governamental portuguesa, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género. Pode-se, não obstante, usar «igualdade entre os géneros» em contextos pontuais, isto é, sem cristalização ou fixação lexical: «é preciso promover a igualdade entre os géneros». Mais difícil se torna aceitar «a igualdade no género», que sugere a igualdade dentro do género, ideia errónea, pelo menos, do ponto de vista da sua adequação referencial, visto a questão da igualdade se pôr entre os diferentes géneros.

1 Usa-se aqui género, e não sexo, em virtude da importância hoje dada à relação da identidade com a sexualidade e a esta como construção social (ver resposta Ainda a diferença entre género e sexo).