Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que é intertextualidade em poema? Como falar especificamente? Exemplos.

Resposta:

O Dicionário Houaiss apresenta uma acepção da palavra intertextualidade, acompanhada de exemplo, que constitui uma forma sintética de definir o termo:

«influência de um texto sobre outro que o toma como modelo ou ponto de partida, e que gera a atualização do texto citado Ex.: Mensagem, de Fernando Pessoa, apresenta i[ntertextualidade] com a épica camoniana.»

Pergunta:

A questão que pretendo colocar prende-se com a dúvida sobre como se pronuncia a palavra "poliban". Tenho um colega que insiste que se diz "pUliban", enquanto os restantes defendem a tese de ler como se a vogal o tivesse acento, ou seja, "pÓliban". Será que me conseguem esclarecer? Bem sei que é uma palavra original francesa, no entanto estou interessada em saber como se pronuncia a mesma em português correcto, sem qualquer sotaque.

Obrigada desde já.

Resposta:

No português europeu-padrão, o prefixo poli- é geralmente pronunciado com o aberto em vocábulos como policopiar, poliglota, polissemia, polissílabo, polivalente (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa). Há, no entanto, certas oscilações, decorrentes do facto de tal o se encontrar em sílaba átona e, assim, tornar-se susceptível de se fechar: daí pronúncias alternativas como p[u]licopiar ou p[u]liglota, que não são incorrectas. Sendo assim, a palavra poliban ou polibã, «banheira pequena, de forma quadrada, com chuveiro e repuxo» (cf. idem1), costuma ter a pronúncia "pòlibã" (transcrição fonética [pɔli'bɐ̃]). Tal não significa que a pronúncia "pulibã" seja de condenar por incorrecta.

1 O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa não confirma a origem francesa, antes sugerindo que a palavra é empréstimo do castelhano.

Pergunta:

Alguns colegas meus afirmam com convicção que a expressão «de todo» só pode ser utilizada em reforço de negação (ex.: «não, de todo») e nunca no sentido oposto (ex.: «sim, de todo»).

A meu ver, «de todo» refere-se a «totalidade», pelo que ambas as formas de utilização são correctas. Certo?

Gostaria ainda que me elucidassem relativamente à classificação gramatical da mesma expressão.

Resposta:

A expressão «de todo», sinónima de «totalmente, completamente», pode ser usada em frases afirmativas e negativas (exemplos de Énio Ramalho, Dicionário Estrutural, Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa):

1. «Aquele rapaz anda tolo de todo [...].»

2. «Não se podem considerar ainda de todo esclarecidas as razões que o levaram a demitir-se do cargo.»

3. «O traço da dureza faltava de todo no estilo daquele escritor.»

No entanto, deve-se observar que «de todo» se associa a adjectivos, particípios passados e verbos que têm conotação depreciativa (por exemplo, tolo), disfóricas («andar perdido de todo») ou negativas (faltar = «não existir»). É, portanto, estranho ou mesmo inaceitável que se diga que «ele anda inteligente de todo», «estão de todo esclarecidas as razões» e «esse traço existia de todo no seu estilo».

Pergunta:

Tenho a seguinte dúvida: Quando o adjetivo funciona sintaticamente como predicativo, e quando funciona como adjunto adnominal?

Grato.

Resposta:

O adjectivo é predicativo quando forma predicado com um verbo de ligação: «ser feliz», «estar contente», «ficar triste». É adjunto adnominal quando, «junto de um substantivo, delimita ou especifica o significado do mesmo (p. ex., pão duro, pão integral [...]).» (Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Na frase: «A mãe pediu protecção a Deus para o seu filho», como analisar sintacticamente «para o seu filho» de acordo quer com a antiga, quer com a nova terminologia (DT)?

Nos exames do ensino básico coexistem as duas terminologias.

Resposta:

Como o constituinte «para o filho» se refere ao beneficiário da protecção que é pedida, diz-se que se trata de um dativo de interesse, conforme definição de Evanildo Bechara, em Moderna Gramática Portuguesa, Lisboa (Editora Lucerna, 2002, pág. 425), onde se dá como exemplo a frase «Ele só trabalha para os seus». O valor desta construção é o de uma circunstância de fim ou proveito (idem), pelo que, nos termos de uma classificação tradicional ensinada nas escolas portuguesas, «para o filho» seria encarado como um complemento circunstancial de fim. Na perspectiva do Dicionário Terminológico, o constituinte leva a designação de modificador do grupo verbal.