Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É corrente chamar-se pólo àquela peça de vestuário que corresponde, de certo modo, a uma camiseta sem botões. No entanto, não encontro este vocábulo, com este significado, nos dicionários comuns. Será a corruptela de um empréstimo do inglês (pull-over), que divergiu para pulôver e pólo? E deve escrever-se com acento?

Aproveito para pedir um artigo de reflexão sobre as denominações do vestuário em língua portuguesa, porque são tantos os estrangeirismos, neologismos e modismos, que chego a pensar que os contemporâneos de Camilo, nossos antepassados, não tinham mais que vestir, para além das bragas, blusas, jaquetas e coisas dessas de recorte arcaico. Agora, vestimos jeans em vez de calças, trocámos as cuecas avoengas pelos anatómicos sleeps, shorts e boxers. Com bom tempo, talvez se opte por bermudas, bastando acrescentar uma T-shirt, e não esquecer a parka ou o anoraque, se chover. E se nos voltarmos para o vestuário e acessórios femininos, o campo lexical é ainda mais inesperado.

Obrigado.

Resposta:

Para designar uma peça de roupa, a palavra pólo ou polo1 surgiu em português por empréstimo do inglês, mas a sua origem é oriental, como se observa no Dicionário Houaiss:

«ing[lês] polo (1872) 'id.', de orig[em] asiática [...].»

O Online English Etymology indica que a palavra tem proveniência anglo-indiana, tendo sido recebida do balti (língua tibetana do vale do Indo) polo, «bola», relacionada com o tibetano pulu, «bola». Trata-se de um desporto que nasceu no Sul da Ásia; o termo pólo é assim uma redução de polo-shirt, ou seja, «camisa de pólo» ou «camisa para jogar pólo».

Quanto aos anglicismos que inçam o campo lexical do vestuário em português, diga-se que o campo lexical do vestuário se mostra sempre vulnerável à introdução de empréstimos. Já na Idade Média, o português tinha palavras árabes para referir peças de vestir e acessórios: albornoz, aljuba, algibeira, ceroulas. A partir do século XVIII, o francês invadiu o domínio em apreço: blusa, cachecol. Os anglicismos não são recentes, tendo sido muitos deles introduzidos por via do francês (caso de pulôver) .

1 Em Portugal, a palavra escrevia-se com acento diferencial à luz do Acordo Ortográfico de 1945. Com a adopção ...

Pergunta:

«Se não barramos os efeitos do aquecimento global, o futuro da humanidade poderá estar por um fio.» Alterando o tempo verbal presente para o pretérito imperfeito e respeitando a correlação dos tempos verbais e a ortografia, os verbos destacados estão flexionados e grafados na seguinte oração:

a) Se não barrássemos os efeitos do aquecimento global, o futuro da humanidade poderia estar por um fio.

b) Se não barrássemos os efeitos do aquecimento global, o futuro da humanidade podia estar por um fio.

Fiz um concurso onde a instituição organizadora afirma estar correta a letra a), eu fiz letra b). Acho que estou certa. Será que algum professor pode tirar esta dúvida, por favor?

Grata.

Resposta:

Tanto a frase a) como a b) estão certas. Acontece que a primeira é mais formal do que a segunda. Em Portugal, pelo menos, há grande tolerância com a substituição do condicional (ou futuro do pretérito na terminologia brasileira) pelo imperfeito do indicativo, ao ponto de esta se ter tornado corrente mesmo em contextos que exigem alguma formalidade.

Um comentário sobre os testes de muitos concursos de recrutamento de pessoal: a impressão que muitos deles dão é a de que a sua elaboração é descuidada e pouco rigorosa. Num caso como este, de correlação de tempos verbais, não me parece justo que se confrontem duas estruturas que estão vivas na língua, excluindo-se uma delas com base em critérios pretensamente normativos.

Pergunta:

Gostaria de saber se o termo Festa Junina pode ser considerado um substantivo composto e se é um substantivo próprio ou comum. Grato.

Resposta:

A expressão «festa junina» aparece abonada com iniciais minúsculas em verbetes relativos a junino, «relativo ao mês de Junho ou às festas que nele se realizam», conforme se regista no Aulete Digital e no Dicionário Unesp do Português Contemporâneo (sobre o adjectivo junino, ver também o Dicionário Houaiss). Não é claro que a expressão seja um composto, mas, dado que se opõe globalmente a Páscoa, Carnaval e Natal, não é descabido considerá-la como composto e escrevê-la com maiúsculas iniciais em observância do que diz a Base XIX, 2.º, do Acordo Ortográfico de 1990: «A letra maiúscula inicial é usada: [...] e) Nos nomes de festas e festividades: Natal, Páscoa, Ramadão, Todos os Santos.» Sugiro, portanto, que se escreva Festa Junina ou Festas Juninas, como nome próprio.

Pergunta:

Gostaria de saber qual seria a classificação sintático-morfológica da expressão em destaque: «Os nomes das companhias não vêm ao caso

Obrigada pela atenção.

Resposta:

A expressão «ao caso» forma com o verbo vir um todo, ou seja, constitui com este verbo uma expressão idiomática não decomponível em constituintes sintácticos. É o que pode verificar-se no Dicionário Houaiss, onde «vir ao caso» é uma subentrada de caso: «vir ao c[aso]: vir a propósito, ser pertinente. Ex.: seu comentário não vem ao c[aso].» A locução tem, portanto, valor intransitivo.

Em alternativa, aceitando eventualmente que «ao caso» tem uma função sintáctica como «a propósito» em «vir a propósito», por sua vez, equivalente a «referir com oportunidade», poderá dizer-se que «ao caso», como «a propósito», é um modificador de predicado.

De qualquer modo, parece-me aconselhável encarar «vir ao caso» como uma locução, pelo facto de, na expressão, o verbo perder o seu significado literal, de movimento.

Pergunta:

Olá! Estava na Web a pesquisar sobre particularidades da pronúncia do latim clássico e encontrei esse portal. Que, por sinal, pareceu-me muito esclarecedor. Por isso, resolvi enviar-lhes esse comentário que carrega consigo uma dúvida: Eu canto num coral, e estamos às beiras de apresentar uma obra de Mozart escrita em latim, e tenho algumas dúvidas quanto à pronúncia de palavras que são grafadas com xc, c. Pois, foi-me orientado que lemos essas palavras como se pronunciássemos uma palavra com ss em nossa língua. Vocês me poderiam esclarecer essa dúvida? Desde já, agradecimentos.

Resposta:

O Ciberdúvidas esclarece dúvidas de português, e não de latim, mas tentarei dar resposta ao pedido que é feito.

Como já se disse noutras respostas, o latim pode ser pronunciado de três maneiras: tradicional, eclesiástica (ou romana) e restaurada. No caso apresentado pelo consulente, há a possibilidade de usar a pronúncia tradicional, que é praticamente a do português, mas, tratando-se de uma obra de Mozart, não seria descabido optar pela pronúncia eclesiástica. Sendo assim, as palavras grafadas com xc e c serão lidas como se explica a seguir (cf. António Freire, Gramática Latina, Braga, Publicações da Faculdade de Filosofia, 1983, pág. 14):

a) o c antes de a, o, u ou consoante é sempre [k]: caput, excuso, excludo;

b) antes de e e i, xc e c são articulados, respectivamente, como "kch" e "tch" (em transcrição fonética, [kʃ] e [tʃ]): excelsis ("ekchelsis"), centum ("tchentum").