Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Em uma resposta intitulada A forma por extenso de 2000.º (e de outros ordinais), de 22/11/2005, o consultor Carlos Rocha faz menção da forma dois milésimo preconizada pelo meu patrício, o gramático Evanildo Bechara, em sua Gramática Moderna do Português, 2002, sendo outrossim adotada pelo Manual de Língua Portuguesa, da autoria de Paul Teyssier, francês e estudioso do nosso idioma.

A princípio dois milésimo me causou estranheza, pois me parecia erro de concordância, mas, depois, comparando-o com outros ordinais, como seiscentésimo e oitocentésimo (respectivamente, variantes ou formas paralelas de sexcentésimo e octingentésimo), creio ter entendido por que milésimo neste caso não se pluraliza. É que o número dois funcionaria como uma espécie de prefixo numérico, o qual, ao ser aplicado a um número ordinal, não o levaria ao plural, mas apenas determinaria quantas vezes ele vale. Se o meu raciocínio estiver certo, então, dois milésimo significaria «duas vezes milésimo», assim como seiscentésimo e oitocentésimo querem dizer, respectivamente, «seis vezes centésimo» e «oito vezes centésimo».

Se o que suponho estiver correto, então, talvez o erro da nossa ortografia seria o de deixar de unir dois com milésimo, dando na escrita "doismilésimo" ou ainda "dois-milésimo".

Por outro lado, surge um dúvida: se o número dois funciona realmente como se fosse prefixo, por que, então, ele se flexiona quanto ao gênero: “duas milésima trecentésima quadragésima quinta”?

Pelo visto, se deduz que, depend...

Resposta:

Muito do que se discute acerca de uma língua tem que ver com a fixação de determinados usos. Se não existe a necessidade de nomear determinada realidade, é natural que não haja designação disponível ou a que existe tenha uso muito escasso. Pode ainda acontecer que a designação dessa realidade seja criada repetida vezes, com a mesma forma, com formas semelhantes ou com formas díspares, pontualmente, em função da necessidade de nomear. O caso dos numerais cardinais é ilustrativo de um cenário destes, porque, quando correspondentes a números elevados, são raramente usados, certamente pela dificuldade de serem constituídas por palavras eruditas, de origem latina, que não alcançaram uso corrente. Nada que se assemelhe, portanto, à flexibilidade dos ordinais que se encontra nas línguas germânicas.

Em relação a dois milésimo, pouco tenho a acrescentar ao que já disse e ao que o consulente considera: na verdade, é forma de estrutura discutível, porque mostra certa inconsistência ao associar um numeral cardinal (dois) com um numeral ordinal (milésimo). Não admira, portanto, que existam propostas tendentes à criação de um termo mais coerente. Por outras palavras, "bimilésimo" perfila-se como bom candidato a tornar-se o ordinal correspondente ao cardinal dois mil;1 e "bimilionésimo" poderia ser a forma do ordinal relativa a dois milhões. Mas, repito, embora estas se afigurem como palavras bem formadas e passíveis de uso com o significado apontado, não as encontro sequer nos vocabulários ortográficos actualmente disponíveis — o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, o

Pergunta:

Gostaria de uma análise da regência do termo prevenção. Quais as preposições que podem acompanhá-lo?

Resposta:

De acordo com o Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos (São Paulo, Editora Globo, 1995), de Francisco Fernandes, o substantivo constrói regência com as seguintes preposições (abonações retiradas da mesma fonte):

1. a: «Sua presença (do mulato) arrrepiou melindres de branquidão. Cochichos de prevenção às filhas. — Não dance com aquele moleque!» (Mário Sete, Os Azevedos do Poço, 33)*;

2. com: «estar de prevenção com uma pessoa ou coisa, ter razões para estar contra ela antecipadamente» (Dicionário de Caldas Aulete);

3. contra: «A falar verdade, o único defeito que Mendonça lhe achou foi a cor dos olhos, não porque a cor fosse feia, mas porque ele tinha prevenção contra os olhos verdes» (M. de Assis, Contos Fluminenses, 12);

4. de: «E que estes poucos dias que me podem restar de vida os aplique totalmente à prevenção da jornada» (Padre António Vieira, citado no Dicionário de Caldas Aulete);

5. «Prevenção para remediar algum mal».

* Note-se que a preposição indicada em 1 pode não fazer parte de regência, se for analisada como uma construção elíptica correspondente a «houve cochichos de prevenção destinados às filhas». Nesse caso, o constituinte «às filhas» é antes um complemento indirecto.<...

Pergunta:

Como nos podemos referir à capacidade de algo ser generalizável? Uma procura no Google faz-nos encontrar várias vezes o termo "generalizabilidade", mas esta palavra existe de facto?

Obrigada.

Resposta:

A palavra não se encontra em dicionários gerais, mas é uma palavra possível, derivada de generalizável (cf. realizável > realizabilidade, Dicionário Houaiss). Além disso, é realmente usada como termo especializado, por exemplo, no seguinte contexto, extraído de um artigo de João M. Moreira, Será o estilo de vinculação específico para cada relação? Um estudo utilizando a teoria da generalizabilidade:

Decidi, por isso, levar a cabo um estudo empírico que examinasse o grau de consistência vs. especificidade relacional do estilo de vinculação. A teoria da generalizabilidade (Shavelson e Webb, 1991), com o seu objectivo de determinar a magnitude das diferentes fontes de influência sobre os resultados das avaliações, proporcionou uma abordagem metodológica e estatística adequada a este problema.

Pergunta:

Qual a origem do topónimo Junqueira? Ex. «Lugar da Junqueira»; «Rua da Junqueira».

Resposta:

Transcrevo o que José Pedro Machado diz no seu Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa sobre o topónimo Junqueira:

«top[ónimo] frequente, em Portugal e na Galiza, tanto Junqueira como Junquera. Do s[ubstantivo] f[eminino] junqueira

Como substantivo comum, junqueira é sinónimo de juncal, ou seja, «terrenos onde crescem juncos».

Pergunta:

Em conversa informal, verifico que ninguém tem certeza absoluta se é permitido ou não fazer a translineação dos nomes próprios. Como fazemos se não couberem na mesma linha? Gostaria que me esclarecessem. Obrigada.

Resposta:

Não existe nenhum preceito tradicional nem nenhuma norma explícita que impeçam a translineação dos nomes próprios. Se consultarmos o Tratado de Ortografia da Língua Portuguesa (1947), de Rebelo Gonçalves, acharemos muitos exemplos de translineação de nomes próprios: la-

dimiro
(pág. 369)

Daf-
ne
(pág. 375)

Bem-
posta
(pág. 376)

As-
drúbal
(pág. 379)

Montemor-
-o-velho
(pág. 389)