Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

É possível que já tenham respondido a esta questão, mas, na breve pesquisa que fiz, não a vi tratada. De há uns tempos para cá, ouço com frequência os locutores dos múltiplos telejornais das televisões portuguesas começarem as notícias com um infinitivo: «Dizer ainda que esta noite na Gulbenkian actua a orquestra X», «salientar que, se vai sair de casa, deve vestir um casaco, porque está muito frio», «falar agora sobre o clássico deste sábado no Dragão», etc.

É correcta esta construção em que a introdução da frase está apenas subentendida?

Resposta:

As construções apresentadas estão incompletas, devendo ser acompanhadas de expressão marcadora de um valor modal de obrigação ou necessidade:

1. «Convém dizer ainda que esta noite na Gulbenkian a{#c|}tua a orquestra X.»

2. «É de salientar que, se vai sair de casa, deve vestir um casaco, porque está muito frio.»

3. «Deve-se falar agora sobre o clássico deste sábado no Dragão.»

Note-se que o marcador modal «é de...» pode reduzir-se a «de...»:

4. «De salientar que, se vai sair de casa, deve vestir um casaco, porque está muito frio.»

É, pois, provável que a construção com simples infinitivo se relacione com a construção em 4, em resultado da supressão da preposição.

Refira-se que as construção em apreço, destinadas a acrescentar ou relevar uma frase ou um a sequência num texto, são equivalentes ao uso do conjuntivo com valor de imperativo (como acontece no início desta frase):

5. «Diga-se ainda que esta noite...»

6. «Saliente-se que, se vai sair de casa...»

7. «Falemos agora sobre o clássico...»

Pergunta:

Poderá por favor indicar-me como se grafa a palavra referente aos veículos com tracção às quatro rodas, com versatilidade para se movimentarem em terrenos acidentados?

Será "todo-o-terreno", "todo-terreno", ou o hífen não é usado?

E o plural? "Todo-o-terreno" ou "todo-o-terrenos"?

O termo jipe é aceitável?

Muito agradecido.

Resposta:

Antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 1990), a palavra tinha hífen: todo-o-terreno, conforme registo no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Na edição brasileira de 2001 do Dicionário Houaiss também se usa hífen em todo-terreno, presumível variante de todo-o-terreno, tal como acontece com qualquer-terreno.

Com a aplicação do AO 1990, deverá escrever-se todo o terreno, sem hífen, forma incluída no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora, observando o estipulado no n.º 6 da Base XV do referido acordo: «Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjetivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, não se emprega em geral o hífen [...].»

Note-se que o Vocabulário Ortográfico do Português do ILTEC não acolhe a palavra. O mesmo ocorre no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras, que não consigna todo-terreno nem todo o terreno. Convém ainda assinalar que a não hifenização da palavra não é consensual, porque o

Pergunta:

Qual a diferença entre dialecto e pronúncia? É só a diferença da fonia e pronunciação utilizada por um determinado tipo de população no diálogo, ou envolve também o campo lexical?

Ex.: o inglês americano tem uma pronúncia diferente do inglês britânico? Ou na zona do Porto existe um dialecto diferente do de Coimbra, existindo também uma pronunciação diferente das palavras, ou simplesmente a pronúncia faz parte do dialecto?

Resposta:

A pronúncia não é o mesmo que dialecto, é antes uma das dimensões que definem um dialecto por oposição a outros. Quer isto dizer que os dialectos se diferenciam entre si não apenas pela pronúncia mas também por níveis linguísticos como o léxico, a morfologia, a sintaxe e a semântica.

Dizemos assim que o inglês americano tem não só características fónicas (a chamada pronúncia) diferentes das do inglês-padrão britânico, mas também outras especificidades no léxico e na sintaxe que ou não se encontram na norma falada no Reino Unido ou ocorrem aí com menos intensidade. O mesmo se diz acerca dos contrastes dialectais entre falantes de Porto, Coimbra ou Faro: podem apresentar, além de traços fónicos — troca do v pelo b dos portuenses, a pronúncia "espêlho" dos conimbricenses, o "nã sei" de muitos farenses —, usos lexicais, morfológicos, sintácticos que são típicos da regiões onde se situam essas cidades — aloquete em vez de cadeado no Porto, testo em vez de tampa na zona coimbrã, o gerúndio flexionado no distrito de Faro («em tu chegandos»).

Pergunta:

O topónimo Aguiar deve ascender a épocas muito remotas. (Ex.: «Rua de Aguiar», «lugar de Aguiar».)

Penso que uma das formas antigas é "guear".

Qual a origem deste topónimo?

É muito comum em Portugal?

Resposta:

Se o nome em questão for o mesmo que ocorre como designação de várias povoações portuguesas, galegas e brasileiras, trata-se um nome derivado de «[de] águia e significa "local habitado por águias" ou outra ave de rapina, em particular o "abutre" (José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa). Tendo em conta que em Espanha, em regiões de fala castelhana ou leonesa, existe o topónimo Aguilar, presume-se que em Aguiar, como em águia, se tenha também verificado a queda de -l- intervocálico latino (AQUILA > águia), fenómeno característico dos dialectos galego-portugueses até ao século XII.

Contudo, se Aguiar se relaciona historicamente com a forma Guear, tal como se documenta na região de Fafe (Braga), propõe-se outra etimologia, como faz Machado (op. cit.): «Talvez de Viduarii (villa), genitivo de Viduarius, antr[opónimo], provavelmente de origem germânica.»

Pergunta:

Gostaria saber qual é a abreviatura de mestranda.

Aguardo.

Resposta:

Não encontro abreviatura de uso generalizado, penso que pela razão de não se tratar de um título académico, mas, sim, de uma situação conducente à obtenção de grau académico. Também não sei de abreviatura relativa ao caso paralelo de doutorando, isto é, de quem está a fazer um doutoramento.

No entanto, se a pergunta se refere à abreviatura da palavra mestre, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (edição impressa), da Academia Brasileira de Letras, regista M.e, para Mestre, e M.ª para Mestra.