Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
434K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

No contexto de escolha de impressões de documentos, qual a melhor tradução para landscape e portrait?

Resposta:

A versão em português do Word do Office 2007 da Microsoft traduz landscape como «orientação horizontal», e portrait, como «orientação vertical».

Pergunta:

Gostaria de saber qual das seguintes frases está correcta ou é a mais correcta:

A. «… decorridos que estão três anos e meio desde a entrada em vigor da Lei n.º…»; «… decorridos que estão três anos e meio sobre a entrada em vigor da Lei n.º…»; ou «… decorridos que estão três anos e meio da entrada em vigor da Lei n.º…».

B. «Faço votos para que tenhas um bom dia»; «Faço votos que tenhas um bom dia»; ou «Faço votos de que tenhas um bom dia».

Obrigada! Parabéns pelo vosso excelente trabalho!

Resposta:

As frases correctas são:

A. (1) «… decorridos que estão três anos e meio desde a entrada em vigor da Lei n.º…»

    (2) «… decorridos que estão três anos e meio sobre a entrada em vigor da Lei n.º…»

A expressão «decorridos que estão três anos» inclui uma forma (particípio passado) de decorrer, verbo que, tendo sentido temporal (sinónimo de passar), requer um complemento de valor temporal introduzido pelas preposições desde, sobre ou depois, como mostram os seguintes exemplos: «três anos e meio decorreram desde/sobre a entrada em vigor...»; «três anos e meio decorreram depois da entrada em vigor...». Não é, portanto, aceitável dizer *«… decorridos que estão três anos e meio da entrada em vigor da Lei n.º…», porque decorrer, com valor temporal, não se usa com de.

B. (1) «Faço votos para que tenhas um bom dia.»

    (2) «Faço votos de que tenhas um bom dia.»

A expressão «faço votos» pode ser seguida de uma oração subordinada adverbial que exprime finalidade, introduzida pela locução «para que» ou de uma oração subordinada completiva do substantivo votos, introduzida pela preposição de. Embora usada informalmente, não se recomenda «faço votos que», porque omite a preposição que faz parte do complemento de votos.

Pergunta:

Preciso entender melhor o uso da crase. Nas gramáticas brasileiras, usamos o acento grave antes da palavra casa, só quando vier modificando.

«Cheguei a casa cedo.»

«Cheguei à casa de meu pai.»

Na segunda frase, está explicando que não é a minha casa.

Eu tenho uma amiga portuguesa e fiz esta pergunta para ela. Ela disse que ela não usaria acento grave desse caso.

Fiz uma consulta e vi uma explicação de vocês, mas não entendo se é diferente em Portugal.

Eu gosto muito de conhecer a diferença entre os dois países.

Obrigada.

Resposta:

Em português europeu, o segundo exemplo também é compatível com a crase, isto é, com a contracção da preposição a com a, forma do género feminino do artigo definido. Vejamos os exemplos:

1. «Cheguei a casa de meu pai.»

2. «Cheguei à casa de meu pai.»

As duas frases são possíveis e correctas. Na primeira, usa-se só a preposição a; na segunda, surge a crase, ou seja, a contracção da referida preposição com o artigo definido a. Se a preposição fosse em, também poderia construir as frases correctas quer com artigo definido a preceder casa quer sem ele.

3. «Estou em casa de meu pai.»

4. «Estou na casa de meu pai.»

Tudo isto se aceita, porque a expressão «casa de X» pode ser, ou não, usada com artigo definido, quando se trata de localização ou ponto de chegada: «Vivo em/na casa dos meus pais»; «Vou a/à casa dos meus pais».

Pergunta:

Qual das duas formas é a correta: "circuambulação", ou "circum-ambulação"?

Uma vez definida a forma correta, poderíeis definir o sentido da palavra?

Aquelas sete voltas que os maometas dão em torno da Caba, santuário máximo do Islã, na Meca, podem ser chamadas pelo vocábulo em apreço? Se sim, no singular, ou plural?

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra circum-ambulação não se encontra em dicionários gerais, mas é usada como tradução de circumambulation, termo inglês usado em textos relacionados com as ideias do psicanalista Carl Gustav Jung (1875-1961). É palavra bem formada, na qual o prefixo circum- é usado com hífen antes de palavra começada por vogal, de harmonia com o disposto na Base XVI, 1.º c): «Nas formações com os prefixos circum- e pan-, quando o segundo elemento começa por vogal, m ou n (além de h [...]): circum-escolar, circum-murado, circum-navegação; pan-africano, pan-mágico, pan-negritude

Convém observar que, já existindo a palavra circunvolução, com o mesmo significado e aceitável em reeferência a temáticas religiosas ou místicas,1 poderá parecer dispensável a criação da palavra em questão. Mas, como se trata de um termo especializado, considero que fica justificado o seu uso.

1 A palavra é usada no plural — circunvoluções —, como  designação das voltas dadas pelos fiéis muçulmanos à Caba.

Pergunta:

Será correcto escrever a palavra estado quando nos referimos a um Estado em abstracto, ou seja, sem que se queira identificar um Estado concreto? Exemplo: deve-se escrever o «Estado português», mas se quisermos dizer «qualquer estado deve obedecer às normas internacionais» pode-se escrever em minúscula a palavra estado?

Obrigado pela atenção dispensada.

Resposta:

A resposta não pode ser dada sem hesitação, porque não existe norma clara sobre o uso de maiúscula inicial na palavra estado.1 O Dicionário Houaiss considera que, em referência a «país soberano, com estrutura própria e politicamente organizado», se deve usar maiúscula (Dicionário Houaiss); exemplo: «o Estado brasileiro». No entanto, numa resposta anterior, de João Carreira Bom, lê-se:

«[...] quando um substantivo está ligado a um nome próprio e indica apenas a espécie a que esse nome próprio pertence, tal substantivo escreve-se com letra minúscula. Exemplos: «O estado de S. Paulo.» «O Canadá é uma nação da América do Norte.» Mas, quando o substantivo forma com outro uma expressão própria, ambos se escrevem com inicial maiúscula. Exemplos [...]: Câmara Municipal de Serpa, Estado de S. Paulo [...].»

Não formando «qualquer estado» uma expressão própria, dir-se-ia que nesse contexto a palavra deveria ser sem maiúscula inicial. Contudo, e porque muitas vezes é a maiúscula inicial que permite distinguir Estado, «país soberano», de estado, «condição, situação», considero conveniente escrever «qualquer Estado», de modo a assinalar que não se trata de simples condição ou situação referida a um indivíduo ou a um grupo restrito.

1 Nem mesmo o Acordo Ortográfico de 1990, na sua Base XIX, "Das minúsculas e maiúsculas", define o procedimento a adoptar em casos como este.