Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
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Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

O que significa "pé-alto"?

Segue-se o contexto em que surgiu: «Sem sinais de kitsch fadista, um pé-alto de sete metros, tectos em abóbada, colunas de pedra, tem uma década de história (...).»

Resposta:

O contexto ainda não está completo, para que se entenda qual é o tópico aí abordado. Felizmente, encontra-se acessível em linha, permitindo-me a citação do seguinte extracto:

«Ali quase ao virar de esquina, outro espaço de referência espera por nós. É a real Casa de Linhares, célebre também por outro apodo, o da casa anterior, Bacalhau de Molho. É um luxo sóbrio, palaciano, nas fundações de um edifício renascentista que ruiu no terramoto de 1755, tão inerente à história lusitana que Luís de Camões, parente dos condes de Linhares, aqui viveu. Sem sinais de kitsch fadista, um pé-alto de sete metros, tectos em abóbada, colunas de pedra, tem uma década de história e é gerido por Pedro Guerra e Manuel Bastos [...].»

Ora bem, a palavra em questão, "pé-alto", deve referir-se, ao que parece, à altura das paredes da divisão de uma casa, mas acontece que os dicionários não a consignam, registando, em vez disso, pé-direito. Por exemplo, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa define pé-direito como «altura do pavimento ao tecto» e «suporte sobre o qual assenta um arco, uma abóbada ou uma armação de madeira». Sobre a origem deste termo, existe uma resposta no arquivo do Ciberdúvidas, e encontra-se uma tentativa de etimologia nas páginas da revista Mundo Estranho.

Sei, no entanto, que, pelo menos, em Portugal, há quem use coloquialmente a expressão «pé de altura», para referir a mesma noção. Não admira, portanto, que, substituindo altura pelo adjectivo cor...

Pergunta:

Gostaria de colocar a seguinte questão: segundo Lindley Cintra, verbos como agir e embarcar são verbos regulares, e, segundo o DT (Dicionário Terminológico), são irregulares.

Agradecia o esclarecimento.

Resposta:

Fónica e morfologicamente, os verbos agir e embarcar são regulares. À luz do DT, os mesmos verbos são irregulares apenas do ponto de vista gráfico («Algumas irregularidades são meramente gráficas», B. 2.2.2. Flexão verbal, Verbo Irregular): ajo vs. ages, age, etc.; embarco (presente do indicativo) vs. embarque (presente do conjuntivo). Estas irregularidades permitem manter a pronúncia do radical do verbo ao longo da sua conjugação, evitando que se escreva *"ago" em lugar de ajo, ou *"embarce" em vez de embarque.

Quanto a Lindley Cintra, penso que a consulente quer referir-se à Gramática do Português Contemporâneo, cuja autoria é realmente desse gramático, partilhada com Celso Cunha. Nesta obra, assinala-se que casos de discordância gráfica, como os aqui apontados para agir e embarcar, não devem ser confundidos com irregularidade verbal:

«É necessário não confundir irregularidade verbal com certas discordâncias gráficas que aparecem em formas do mesmo verbo e que visam apenas a indicar-lhes a uniformidade de pronúncia dentro das convenções do nosso sistema de escrita. Assim:

a) os verbos da 1.ª conjugação cujos radicais terminem em -c, -ç, e -g mudam estas letras, respectivamente em -qu-, -c e -

Pergunta:

Gostaria de ter uma dúvida esclarecida referente à locução conjuncional «ao passo que». Antes de perguntar, estava pesquisando e vi que já há uma pergunta e respectiva resposta, é a 25 867, «Ao passo que»: locução conjuncional coordenativa adversativa.

Pesquisando na gramática do Celso Cunha, ele classifica essa locução como proporcional, e não como adversativa. Nesse caso, então, os dois casos estariam certos, sendo, portanto, uma polissemia conjuncional?

Obrigada.

Resposta:

A locução «ao passo que» está classificada como locução conjuntiva proporcional por Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo (Lisboa, Edições João Sá da Costa, pág. 585). No entanto, verifica-se que esta locução é sinónima de enquanto em contextos como «o João é rápido, ao passo que/enquanto o Joaquim é lento», frase em que a conjunção é sinónima de mas, conjunção coordenativa adversativa. Importa ainda assinalar que o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea regista a locução «enquanto que1» como equivalente de mas. Confirma-se, deste modo, a polissemia da locução em apreço.

1 Associado à conjunção enquanto, o uso de que tem sido condenado pelos gramáticos mais puristas. Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, pág. 329) aponta tal reserva, mas não parece condená-la, porque diz haver «exemplos de escritores corrretos».

O desenvolvimento da tecnologia é, como se sabe, um duplo desafio para a língua portuguesa, porque, além da fidelidade idiomática pedida pela criação de um novo termo, impõe-se também fazer frente à pressão das línguas em que essa vanguarda tecnológica encontra expressão. São, por isso, de assinalar os esforços que, de modo institucionalizado ou como espontâneas reacções, têm levado a substituir o jargão informático anglo-saxónico por formas mais de acordo com as estruturas fonológica e morfo...

Pergunta:

Será lícito o uso da expressão «actividades prestadas»? Ou seja, é possível empregar o verbo prestar com a palavra actividades? Ou apenas «se prestam serviços»?

É aceitável a frase: «Renovar e diversificar as actividades prestadas aos associados, garantindo o funcionamento e a sustentabilidade da Associação, tendo em conta as novas realidades e os desafios profissionais das instituições onde trabalham»?

Resposta:

Formalmente, a frase não é aceitável, e não se recomenda a expressão «actividades prestadas (a)», sendo preferível substituí-la por «actividades destinadas (a)» ou «actividades dirigidas (a)» Com o particípio prestado é mais adequado empregar palavras como serviço (ou serviços), auxílio, apoio e ajuda.

A fraca ou nula aceitabilidade de «actividades prestadas» deve-se a restrições que operam em dois níveis de análise estreitamente ligados, semântico e lexical, como a seguir se explica com mais pormenor.

1. Nível semântico

A incompatibilidade de prestadas, particípio passado de prestar, com actividades é interpretável no âmbito da especificação das propriedades semânticas dos argumentos do referido verbo, cujo objecto (sintacticamente, o complemento directo) tem por núcleo um substantivo abstracto que designa o propósito ou a finalidade da acção do sujeito, visando um beneficiário: diz-se «auxílio prestado» ou «prestar auxílio», «apoio prestado» ou «prestar apoio», «ajuda prestada» ou «prestar ajuda», porque serviço, apoio, ajuda pressupõem um sujeito que age em benefício de outrem.

Por outro lado, actividades, no plural, ganha uma ideia de concretude, afastando-se do sentido abstracto do seu singular, ao mesmo tempo que veicula uma ideia de acção, que s...