Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
436K

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Quais são os gentílicos de Meca e Medina, cidades sagradas do islamismo situadas na Arábia Saudita? Se existem tais gentílicos, eles funcionariam como adjetivos e substantivos?

Muito obrigado.

Resposta:

Segundo Luiz Autuori e Oswaldo Proença Gomes (Nos Garimpos da Linguagem, Rio de Janeiro, Livraria S. José, 4.ª edição), os gentílicos respeitantes a Meca são: mecano, mequense. Quanto a Medina, regista-se o gentílico medinense, que, segundo o Dicionário Houaiss, se aplica ao natural ou residente de Medina (Minas Gerais), mas que pode também designar o natural ou o habitante de Medina, na Arábia Saudita; Rebelo Gonçalves, no seu Vocabulário da Língua Portuguesa, também acolhe medinês, como adjectivo e substantivo. Todas as formas aqui mencionadas se podem usar quer como substantivos quer como adjectivos.

Pergunta:

Fui questionada por um aluno quanto ao grau aumentativo do nome leite, no sentido de confirmar se o mesmo era leitão (leitinho, leite, leitão), ou se existe outra palavra que traduza o grau aumentativo da palavra leite. Qual a resposta mais correcta?

Resposta:

A palavra leitão não é um aumentativo de leite, nem ocorre como designação de alguma forma desse produto, como se verifica por duas definições do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa: «porco novo, ainda em fase de lactação; bácoro enquanto mama»; «carne comestível desse animal, preparada de modo particular». Há, no entanto, uma relação etimológica que é ainda hoje analisável, porque o vocábulo em questão inclui o radical leit-, que surge em leite (ver Dicionário Houaiss).

Note-se que não é impossível empregar pontualmente leitão como aumentativo de leite: a palavra tem a configuração de um aumentativo regular, à semelhança de dedão, aumentativo de dedo. Mas trata-se de um uso jocoso ou infantil, desfavorecido pela confusão decorrente da homonímia com leitão, «porco pequeno». Sendo assim, e não conhecendo eu forma alternativa, considero que o substantivo leite não tem aumentativo.

Pergunta:

Gostaria de ser esclarecida relativamente aos fenómenos fonéticos verificados nas palavras senior > senhor e venio > venho.

Grata pela atenção.

Resposta:

Trata-se de um fenómeno de palatalização de -n- seguido de ĭ breve, entre vogais. Diz Edwin B. Williams (Do Latim ao Português, Rio de Janeiro, Tempos Brasileiro, 2001, 91):

«Lat. n + i precedidos de vogal > port. nh: seniōrem  senhor; tĕnĕo > tenho; uīnĕam > vinha1

1 Por razões técnicas, não é possível reproduzir, sob o i, o diacrítico que se encontra no original.

Pergunta:

Que critério se utiliza para nomear as localidades? Ex.: O que é que está correcto, Câmara Municipal de Alandroal, ou Câmara Municipal do Alandroal?

Resposta:

aqui falámos do uso de topónimos com artigo definido. No caso de Alandroal, o topónimo tem origem num nome comum (alandroal, «lugar onde há muitos alandros»)1 e, como tal, deve usar-se com artigo definido; leia-se José Pedro Machado, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa:

«Do s[ubstantivo] m[asculino] (a)landroal, plantação de (a)landros (o m[esmo] q[ue] (e)loendro), mas certamente de uma forma *alandrão, como Sardoal de sardão, meloal de melão, etc. [...].»

1 José Pedro Machado, Grande Dicionário da Língua Portuguesa (Círculo de Leitores). Alandro é o mesmo que loendro, «nome vulgar do Nerium oleandercevadilha, espirradeira, loureiro-rosa, loendreira (idem). Lin., arbusto da família das Apocináceas, subfamília das equitóideas, tribo das equitídeas; o m. q.

Pergunta:

O termo "nazireu" existe? Se sim, qual o seu significado e a sua etimologia?

Resposta:

Existe, mas deve preferir-se nazareu, como designação de uma antiga seita hebraica anterior ao cristianismo. Nazireu encontra-se registado na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira (GEPB), assim definido:

«Hebreu que se consagrava ao sacerdócio, conquanto não fosse da tribo de Levi. Hebreu que fazia o voto de não cortar o cabelo nem beber vinho. (Corrup[ção] de nazareu).»

É, no entanto, curioso verificar que da mesma enciclopédia não consta a entrada nazareu mas, sim, nazaréu, que é definida como «o mesmo que nazareno», que vem «do hebr[aico] nazir, consagrado, pelo lat[im] nazaraeu». No verbete de nazareno, damo-nos conta de que existe alguma confusão entre este termo, que significa «relativo ou pertencente a Nazaré [na Palestina]» e «relativo aos Cristãos», e nazaréu ou naziréu, nome sobre o qual se diz:

«no Antigo Testamento, é dado [...] a personagens como Sansão, Samuel, etc.;  essa palavra significa "separado, isolado" e servia para designar não um cidadão de Nazaré mas, sim, um homem votado especialmente ao serviço de Deus. Não está plenamente explicado em que sentido os profetas chamaram nazaréu ou nazireu ao Cristo futuro. O evangelista S. Mateus, registando o regresso de Jesus a Nazaré, vê nisso o cumprimento de profecias. Foram também chamados nazarenos ou nazareus uns grupos religiosos que, nos primeiros tempos do Cristianismo, pretendiam aliar as práticas cristãs e as mosaicas.»

Esta fonte acolhe ainda a forma nazarita, «pessoa de raça judaica que se dedicava ao serviço de Jeová, e professava a abstinência, pureza absoluta...