Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
38K

Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Costumamos escrever "anti-touradas" para enfatizar que somos "anti". Será, ainda assim, considerado um erro? Apenas é correcto escrever "antitouradas" ou, neste caso, é aceitável "anti-touradas"? Devemos escrever "touradas", ou "antitouradas", no plural, ou será mais correcto utilizar o singular, no caso, "antitourada" ou "anti-tourada"?

Antecipadamente gratos pela resposta.

Resposta:

À luz do novo acordo ortográfico, a maioria dos prefixos, entre os quais anti, unem-se sempre à palavra que antecedem, excepto se esta iniciar com h ou com a mesma letra com que acaba o prefixo. Por essa razão, segundo o novo acordo ortográfico, escreve-se sempre e só antitouradas.

Se tivermos em conta o acordo de 1945, ainda em vigor em Portugal, deveremos igualmente aglutinar o prefixo, pois diz-se na base 29:

«3.°) compostos formados com os prefixos anti, arqui e semi, quando o segundo elemento tem vida à parte e começa por h, i, r ou s: anti-higiénico, anti-ibérico, anti-religioso, anti-semita; arqui-hipérbole, arqui-irmandade, arqui-rabino, arqui-secular; semihomem, semi-interno, semi-recta, semi-selvagem

Importa ter em conta que os dois acordos, o de 1945 (Base L) e o novo (Base XXI: "Das assinaturas e firmas"), ou próximo, prevêem que assinaturas e firmas se mantenham, pelo que se «Marinhenses Anti-Touradas» corresponde à designação oficial de uma associação, regist{#|r}ada como tal em notário, poderá continuar a ser grafada, nesse contexto, com o hífen.

Pergunta:

Deparei-me com a expressão latina «veni, vidi, forravi» num livro escrito em espanhol, mas não consigo descobrir o significado de forravi. Será que me conseguem ajudar?

Grata pela atenção.

Resposta:

Não encontrei o hipotético verbo *forro, de que forravi seria a primeira pessoa do pretérito perfeito, em nenhum dos dicionários de latim consultados.

Por outro lado, a expressão correcta, proferida por Júlio César, é «veni, vidi, vici», ou seja, «vim vi e venci», a qual tem sofrido, ao logo dos tempos, adaptações, algumas irónicas. Na Wikipédia, pode ler-se por exemplo: «Vim, vi, quebrei as cadeiras»; «Veni, vidi, veggie» («Vim, vi, comi uma salada»); «Veni. Vidi. Codi» («Vim. Vi. Codifiquei»).

Julgo que a expressão «veni, vidi, forravi» é um dos casos em que há jogo de palavras. Encontrei o verbo forrar em castelhano, ou espanhol, que, quando pronominal, significa «enriquecer» (forrarse, fam. Ganar gran cantidad de dinero). Se adoptássemos esse sentido, teríamos algo como «vim, vi e enriqueci». Deve, pois, encarar a expressão como jogo de palavras e descobrir o sentido adequado do espanhol forrar, para recriar ou traduzir a expressão.

Pergunta:

Tenho visto em vários sítios os verbos boiar e apoiar classificados como irregulares. Porque são considerados irregulares esses verbos (se realmente o são)?

Seria acertado dizer que a raiz de boiar é "boi", sendo "boia" o tema?

Obrigada.

Resposta:

Pela análise da conjugação dos verbos em apreço, que pode ser consultada no Portal da Língua Portuguesa, não se registam situações que justifiquem a sua integração na lista dos irregulares, pois obedecem ao padrão da conjugação a que pertencem.

Quanto à raiz, são vários os verbos cuja raiz termina em vogal. Próximo dos que indica refiro, por exemplo, criar (cri + ar). A estrutura que indica para o verbo boiar (boi + ar) parece-me adequada e correcta.

Pergunta:

O que justifica que no Dicionário Terminológico (DT), palavras como muito(s), algum (alguns), se utilizadas como pronomes, deixem de ser quantificadores?

Ex. 1: Quantas pessoas lá estavam? Muitas. (Pronome indefinido)

Ex. 2: Estavam lá muitas pessoas. (Quantificador existencial)

Não há expressão de quantidade num e noutro caso?

Resposta:

A noção de quantidade é veiculada por quantificadores, pronomes indefinidos, adjectivos numerais, advérbios e, mesmo, expressões como «uma porção de», etc.

O que distingue uns dos outros é, sobretudo, o seu comportamento no discurso, ou seja, a forma como se relacionam com os vocábulos vizinhos. Assim, estamos perante um pronome, como todos sabemos, sempre que não houver ocorrência do nome referido por esse pronome. O quantificador, como o determinante e o adjectivo numeral, ocorre antecedendo o nome (salvo raras excepções com alguns quantificadores…).

Do meu ponto de vista, se há, neste aspecto, alguma razão para estranheza, ela advém não do facto de haver pronomes e quantificadores, mas, sim, de haver quantificadores, determinantes e adjectivos numerais. Senão, vejamos as respectivas definições no Dicionário Terminológico:

Determinante:

«Palavra pertencente a uma classe fechada que geralmente precede o nome, contribuindo para a construção do seu valor referencial. Os determinantes incluem as seguintes subclasses: artigos (i), determinantes demonstrativos (ii), determinantes possessivos (iii), determinantes indefinidos (iv), determinantes interrogativos (v) e determinantes relativos (vi).»

Quantificador:

«Palavra ou locução que contribui para a construção do valor referencial de um nome com que se combina e cujo significado expressa informação relacionada com número, quantidade ou parte do seu referente, independentemente da sua definitude (i). Os quantificadores podem ser ainda usados para expressar informação de natureza quantitativa sobre expressões que não denotam entidades, mas sim situações (ii)...

Pergunta:

O termo valor pode ser qualificado como bom ou mau? Podemos dizer que algo tem um «bom valor»?

Veja-se o seguinte provérbio: «O que muito se oferece, de bom valor carece.»

Obrigado.

Resposta:

A palavra valor tem, nos dicionários, um conjunto razoável de sentidos (14 no Aurélio XXI, 18 no dicionário da Porto Editora).

Pode significar, por exemplo, «preço», e, neste caso, quando se fala de uma transacção, pode dizer-se que ela aconteceu por «bom valor», ou por «mau valor». Creio que é com este sentido que ocorre no provérbio que indica, no qual é também possível descortinar o sentido de mérito, estima.

Poderemos, pois, dizer que é possível qualificar valor com o adjectivo bom, ou mau, sendo o primeiro preferido pelos internautas, dado que encontrei, numa pesquisa Google, 10 600 ocorrências para «bom valor» contra 46 para «mau valor».