Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Queria saber qual é o verbo correto para o seguinte caso: «colher dados», ou «coletar dados»? «Colheita de dados», ou «coleta de dados»?

Obrigada.

Resposta:

Ambos os verbos veiculam um sentido que lhes permite estar adequados no contexto que refere. Com efeito, colher tem no Dicionário Houaiss, entre outros, o significado de «retirar ou recolher algo de algum lugar», e coletar, «colher ou recolher (produtos, elementos, amostras, etc.) para exame, análise, estudo, etc. (c. informações…)».

A opção por um ou outro verbo advém, sobretudo, da preferência dos falantes, mas convém ter em conta qual é o uso mais frequente. Numa pesquisa Google, introduzindo as expressões «coletar dados» e «colher dados», obtive como resultado, para a primeira expressão, 20 300 ocorrências e, para a segunda, 4270, o que mostra que «coletar dados» é preferencial.

Refira-se, no entanto, que essa preferência acontece em espaço brasileiro, sendo residual em Portugal, onde a expressão preferencial é «recolher dados».

Assim, dependendo do público a que se reporta, poderá optar por «coletar dados», para um público brasileiro, ou «recolher dados», para um público português.

Pergunta:

Num teste de Latim (7.º ano) o professor pediu palavras em português cujo étimo latino fosse nox. Aceitou como respostas correctas nocturno e noctívago, que tinha dado como exemplo na aula, e rejeitou, como incorrectas, as palavras anoitecer e pernoitar. Está correcto este entendimento?

Resposta:

A definição de étimo que surge no dicionário da Porto Editora é «palavra considerada como origem de outra», pelo que nox, na sua forma acusativa nocte(m), está na origem tanto de nocturno e noctívago como de anoitecer e pernoitar. No entanto, a evolução destes dois grupos de palavras é distinta, tendo as duas primeiras entrado por via erudita e as seguintes por via popular, ou seja, sofrendo alterações fonéticas (a vocalização do c). Pode ter acontecido que o professor tenha centrado o estudo nas palavras entradas por via erudita e, nesse caso, a exclusão de anoitecer e pernoitar está correcta.

Em situações deste tipo, o melhor caminho é, sempre, falar com o professor e tentar perceber o que motivou a sua acção.

Pergunta:

Associada à literacia, tenho encontrado a expressão «competências literácitas». Gostaria de saber se o termo "literácito" existe e, em caso afirmativo, em que contexto se deve utilizar.

Muito obrigada.

Resposta:

Não encontrei a palavra em apreço em nenhum dos dicionários consultados, o que, só por si, não implica que a palavra não exista. Numa pesquisa Google, encontrei 42 utilizações desta mesma palavra, sempre associada a estudos relativos à promoção ou ao desenvolvimento da leitura. Pode, pois, dizer-se que a palavra existe, pertence à classe dos adjectivos e que é utilizada com sentido próximo de «relativo à leitura».

Tentei perceber o aparecimento da palavra, bem como a sua formação, mas nada encontrei que me orientasse. Associado, como refere, a literacia, limita, todavia, o sentido da palavra, uma vez que, nos estudos em que aparece, está sempre presente a literacia no âmbito da leitura, não abrangendo a literacia matemática nem a científica. Surge a caracterizar palavras como desenvolvimento, competência, ambiente, acto, comportamento… Exemplifico com um excerto de um artigo intitulado "Literacia Emergente" e contextos educativos, Paulo Fernandes, disponível no sítio O Meu Brinquedo É Um Livro, promovido pela Associação de Profissionais de Educadores de Infância (APEI) e pela Associação de Professores de Português (APP): «Desta forma, desenhar uma medida abrangente de promoção literácita é, para este projecto: patrocinar a oferta de livros às famílias, desenvolver medidas de formação e informação a pais e educadores, e sensibilizar os agentes políticos locais para a necessidade de medidas de desenvolvimento literácito sustentado.»

Pergunta:

Tem surgido a dúvida sobre a classificação de palavras quanto ao número de sílabas. Houve uma altura em que nos manuais [publicados em Portugal] aparecia "monossílabo", "dissílabo", "trissílabo" e "polissílabo". Depois foi "banido" o "trissílabo" e aqui incluídas as palavras com mais de duas sílabas. Actualmente, nos manuais e provas de aferição aparece de novo "trissílabo". Gostaria que me esclarecessem, pois tem sido tema de discussão em conselho de ano.

Resposta:

Os conteúdos a veicular nas escolas portuguesas, bem como o nível de aprofundamento com que devem ser ministrados, são regulados pelos programas publicados pelo Ministério da Educação, que, por sua vez, devem obedecer às nomenclaturas oficiais em vigor. Relativamente a nomenclaturas, está a cimentar-se nas escolas a transição da Nomenclatura Gramatical, publicada no Diário do Governo através da Portaria n.º 22 664/67, de 28 de Abril, para o Dicionário Terminológico, nome que, depois da revisão a que foi submetida, se deu à Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, publicada no Diário da República, através da Portaria n.º 1488/2004, de 24 de Dezembro.

No caso do conteúdo em análise, ou seja, a classificação das palavras quanto ao número de sílabas, há diferenças entre o que se contempla na Nomenclatura Gramatical de 1967 e o que se diz no Dicionário Terminológico. Aquela nomenclatura contempla, na subparte IV Vocábulos, da Fonética Descritiva, três níveis de classificação: monossílabos, dissílabos e polissílabos, enquanto o Dicionário Terminológico, B.1.2.2 Sílaba, indica quatro níveis de análise: monossílabo, dissílabo, trissílabo e polissílabo.

As escolas estão a viver um período de alguma indefinição quanto a este (e a outros…) aspecto, pois têm em vigor um programa que obedece à Nomenclatura Gramatical, contemplando três níveis de análise, ao mesmo tempo que o Dicionário Terminológico, que, a ter em conta o que se diz no ponto 5 da Portaria n.º 1147/2005, de 8 de Novembro («5.º É fixado em três anos lectivos, com iníci...

Pergunta:

Desejava saber se sempre o relativo que precedido de preposição não leva artigo ou há casos em que sim o leva e como posso explicar esse uso.

Tinha ouvido categorizar no sentido de que o pronome relativo que não se empregava com artigo se precedido de preposição.

Ontem mesmo lia em Boa Tarde às Coisas Aqui em Baixo, do Lobo Antunes: «A pedir-lhe que não Marina, repare no que escrevo e o director a segurar-me o braço.»

«Pensei no criado do vizinho, no que ajudava no mercado.»

Obrigada.

Resposta:

As formas o/a, os/as podem ser, em português, artigo definido, pronome pessoal, com função de complemento directo, e pronome demonstrativo. Como pronome demonstrativo, é utilizado antes da preposição de e do pronome relativo que. Nesses casos pode ser substituído por outro demonstrativo.

Vejamos o que acontece nas frases que indica e que repito numerando-as:

1. «Repare no que escrevo.»
2. «Pensei no criado do vizinho, no que ajudava no mercado.»

 

Em ambos os casos a forma o é pronome demonstrativo, passível de substituição por outro demonstrativo:

1.1. «Repare naquilo que escrevo.»
2.1. «Pensei no criado do vizinho, naquele que ajudava no mercado.»

 

O uso de uma preposição antes deste pronome demonstrativo está associado à regência verbal, ou seja, às preposições que são associadas ao verbo que integra a frase.

3. «O livro de que te falei está em cima da mesa.»
4. «Falei-te de um livro muito interessante.»
5. «Falei-te do que ando a ler.»
6. «Gosto do teu comportamento.»
7. «O comportamento de que gosto é esse.»
8. «Gosto do que estás a fazer pelas pessoas.»
9. «Pensei em ti.»
10. «Pensei muito no que me disseste.»
11. «A situação em que mais pensei foi a seguinte.»
12. «Reparei na casa.»
13. «A casa em que reparei está à venda.»
14. «Reparei no que fizeste.»
15. ...