Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Considerando a frase de Felizmente Há Luar!, de Sttau Monteiro, «Que sabe você de meu primo?», gerou-se uma certa discussão entre os meus pares, defendendo uns que «de meu primo» terá a função de complemento oblíquo, e outros que estamos perante um modificador do verbo.

Peço-vos uma opinião sobre esta questão.

Agradecendo antecipadamente.

Resposta:

Quando significa conhecer, o verbo saber pode construir-se com dois complementos, um direto e um oblíquo. Pode, também, construir-se apenas com um complemento oblíquo.
Na frase em apreço, «de meu primo» designa a entidade acerca da qual o sujeito sabe alguma coisa e desempenha a função de complemento oblíquo.

 

Pergunta:

Qual das frases abaixo está correta? Ou ambas estão?

«É necessário um milhão e quinhentas mil assinaturas para que seja apresentado o projeto de lei.»

«São necessárias um milhão e quinhentas mil assinaturas para que seja apresentado o projeto de lei.»

Obrigado.

Resposta:

Eu diria que ambas as situações estão corretas.

Perante a expressão «é necessário», a primeira coisa que importa ter em consideração é verificar se estamos perante uma frase cujo sujeito seja, ou não, uma oração subordinada completiva subjetiva, como em «É necessário que faças o trabalho.», ou em «É necessário fazer o trabalho.»

Neste contexto, o verbo ser e respetivo predicativo ficam no singular e no masculino.

A expressão é, também, usada tendo como sujeito uma estrutura não-frásica, como acontece nos exemplos em apreço, em que o sujeito é «um milhão e quinhentas mil assinaturas», mantendo-se preferencialmente a posição pós-verbal para o sujeito.

Nesta situação é frequente a expressão ficar invariável como em «É necessário muita paciência para ultrapassar a crise.», mas pode concordar com o sujeito: «É necessária muita paciência para ultrapassar a crise.»

Na frase em apreço, há ainda a ter em conta que o núcleo do sujeito é constituído por um nome «assinaturas» a que se associa numeral «um milhão e quinhentas mil». Neste caso, a concordância poderá ser com o numeral ou com o nome a que este se associa. Como o sujeito está em posição pós-verbal, o mais formal é a concordância fazer-se com o elemento mais próximo. Neste caso, o numeral: «É necessário um milhão e meio de assinaturas.» Tal não impede, porém, que a concordância se faça com o nome: «São necessárias um milhão e quinhentas mil assinaturas...»

Se, porventura, o sujeito estivesse na sua posição canónica, ou seja, à esquerda do verbo, manter-se-iam como aceitáveis as duas concordâncias, embora constituíssem um conjunto pouco eufónico, sobretudo com o verbo no singular: ?«Um milhão e quinhentas mil assinaturas são necessárias…»; ?«Um milhão e...

Pergunta:

Na frase «O Bobo partiu para longe», gostaria de saber se «para longe» é considerado complemento oblíquo, ou modificador.

Resposta:

Na frase em apreço, o verbo partir é interpretado como um verbo de movimento, que subentende uma deslocação de um local para outro.

Nesse sentido, embora possa não o ter expresso, suporta, ou admite, um complemento oblíquo que designe o ponto de chegada, podendo, em alguns casos, completar-se, igualmente, com um outro complemento oblíquo que designe o ponto de partida.

O que pode ser surpreendente na frase em apreço é o facto de o ponto de chegada continuar, afinal, desconhecido, dado ser representado por um advérbio que apenas nos dá uma ideia de que o ponto de chegada será longe. Todavia, «para longe» pode se substituído por «para Lisboa».

Por outro lado, se fizermos o teste pregunta-resposta, verificamos que há uma estreita ligação entre o grupo preposicional e o verbo:

1 – P. – *O que fez o Bobo para  longe?

     R. – Partiu.

2 – P. – O que fez o Bobo?

     R. – Partiu para longe.

Tendo em conta o exposto, poderemos dizer que «para longe» é complemento oblíquo, e não modificador do grupo verbal.

Note-se ainda que, ainda que seja comum a não expressão do complemento com os verbos de movimento, outros casos há em que um complemto pode não vir expresso. Lembremo-nos, por exemplo, de verbos como comer, ler ou escrever.

Pergunta:

Na frase «Deixei ir aquelas minhas palavras porque elas o convidavam a abrir-se..,,»  qual o valor do se? Inerente? Reflexo?

Resposta:

No caso em apreço, considero que a forma se é um pronome reflexo, embora noutros contextos com o mesmo verbo possa não o ser.

Tenhamos em conta o seguinte corpus:

1) «O João abriu a porta.»

2) «O João abriu-se comigo.»

3) «A porta abriu-se.»

3.1) «A porta foi aberta.»

3.2) «Alguém abriu a porta.»

4) «A flor abriu.»

4.1) «A flor abriu-se.»

5) «Deixei ir aquelas minhas palavras porque elas o convidavam a abrir-se…»

O verbo abrir pode ocorrer como transitivo, intransitivo e em adjacência pronominal (tradicionalmente, verbo pronominal). Enquanto transitivo, prevê, na posição de sujeito, uma entidade dinâmica, que possa executar a ação prevista pelo sentido de verbo. Em 1, o grupo nominal «O João» preenche esse requisito. Enquanto pronominal, o se associado ao verbo, em contextos como 2, pode ocorrer como reflexo. Note-se que, neste contexto, o verbo adquire sentidos diversos, como «desabafar, revelar, ser franco», embora continue a ter como sujeito uma entidade dinâmica. Como pronominal, o verbo pode, ainda, ocorrer numa construção passiva de se, como em 3, que equivale a 3.1. O se da frase 3 pode ainda ser interpretado como indicador de indefinição do sujeito, ou, mesmo, como muitos defendem, como sujeito indefinido, equivalendo a 3.2. Esta última interpretação não é pacífica, nem consensual, havendo quem se oponha a ela.

Enquanto intransitivo, o verbo tem como sujeito uma entidade não dinâmica, como em 4. Neste caso, se ocorrer uma construção pr...

Pergunta:

Sobre o uso de que e do que em orações comparativas, gostava de saber se a explicação de Pilar Vázquez Cuesta (Madrid, 1971) continua a estar vigente:

«Cuando el segundo término de la comparación contiene algún verbo, la forma empleada es siempre DO QUE.» Exemplos:

«Era mais nova do que eu julgava.»

«O livro era menos interessante do que me tinham dito.»

Obrigada.

Resposta:

A utilização obrigatória de do que em estruturas comparativas não é abordada pela grande maioria dos gramáticos consultados. Sem pretender ser exaustiva, a análise de um pequeno corpus permite dizer que, como referem Pilar Vázquez Cuesta e M.ª Albertina Mendes da Luz, na Gramática da Língua Portuguesa (1980: 384), do que é de ocorrência obrigatória sempre que a comparação acontece entre frases plenas com núcleos do predicado distintos:

(1) «Exportamos menos do que importamos.»

(2) «Fizemos menos do que deveríamos ter feito.»

(3) «Espera conseguir um resultado melhor nestas eleições do que o que obteve nas anteriores.»

(4) «A intenção era mais envergonhá-lo do que destruí-lo.»

(5) «Pretende realizar uma obra que seja mais original do que as que fez até agora.»

(6) «Mais quis aconselhar-te do que prejudicar-te.»

(7) «Ainda não encontrei quem me represente melhor do que tu me representas.»

Todavia, sem pretender ser exaustiva, em determinados contextos, as duas situações são possíveis:

a) Acontece isso quando, no segundo membro da comparação, ocorre uma relativa cujo antecedente tome a forma do demonstrativo o, ou aquilo (o que ou aquilo que — casos em que Ana Maria Brito, na Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, p. 682, considera verificar-se uma elipse nominal:

(1.1) «Exportamos menos que aquil...