Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Porque «Rosa preocupa a mãe» não admite a passiva sintática «A mãe foi preocupada por Rosa», mas admite a passiva adjetiva «A mãe ficava preocupada com Rosa»?

E, em relação à frase «A polícia acalma a multidão», por que se admite a passiva sintática — «A multidão foi acalmada pela polícia» —, mas não admite a passiva adjetiva «A multidão ficou acalmada»?

Obrigada!

Resposta:

Os verbos acalmar e preocupar são verbos psicológicos que têm sido estudados e agrupados segundo especificidades que os caracterizam.

Amélia Mendes, no artigo "Uma análise dos verbos psicológicos com base nos dados de um corpus: regularidade, variação e polissemia verbal", in Actas comemorativas dos 25 anos do CLUL, (2002) , refere que os verbos protipicamente psicológicos:

a) admitem construção como transitivos, tendo como complemento, ou objeto, direto uma entidade que assume o valor semântico de experienciador e tendo o causador como sujeito:

(1) «Rosa preocupa a mãe.»

b) admitem construção com se (ergativa), assumindo o causador a forma de um grupo preposicional iniciado pela preposição com.

(2) «A mãe preocupa-se com (a) Rosa.»

A autora não analisa a construção passiva destes verbos, mas inclui preocupar no grupo dos verbos psicológicos prototípicos e associa acalmar a um grupo mais restrito que tem variações aspetuais. Diz a certa altura que verbos como acalmar «são todos deadjetivais e admitem uma grande variação de entidades lexicais no preenchimento da posição de objeto direto (…): acalmar uma pessoa, acalmar o trânsito, acalmar a bolsa, acalmar as ondas». Diz ainda que expressam uma gradação e que veiculam uma grande diversidade de sentidos, dependendo muito do contexto para a construção do seu significado.

Por seu lado, Márcia Cançado, na obra

Pergunta:

Nas frases «Ele tinha o rosto mesmo parecido com o seu» e «Parecia mesmo um dos seus amigos», como classificamos mesmo?

Obrigada.

Resposta:

A palavra mesmo varia de classe, segundo os contextos em que ocorre. Pode ser determinante demonstrativo, como em «Lemos os mesmos livros», pronome, como em «Lemos o mesmo», ou advérbio.

Nos exemplos em análise, a palavra mesmo é um advérbio com sentido de «exatamente».

Pergunta:

Gostaria de ser esclarecido quanto à função sintática das formas pronominais o e lhe em frases como as seguintes:

«Se és ecologista, eu sou-o também.»

«O assunto é-lhe indiferente.»

Nas gramáticas que consultei, a forma o é classificada como pronome pessoal acusativo/complemento direto, e a forma lhe como pronome pessoal dativo/complemento indireto. Além disso, com a implementação do Dicionário Terminológico, estas formas de pronome pessoal são utilizadas, mais do que nunca, nas fórmulas de teste das funções sintáticas complemento direto e complemento indireto.

Assim, será admissível considerar que estas são situações excecionais de uso do pronome o/a/os/as como predicativo do sujeito e de lhe/lhes como complemento do adjetivo? Ou serão utilizações consideradas incorretas?

Antecipadamente grato pela atenção.

Resposta:

Uma das características do predicativo do sujeito (quando não é localizador de tempo ou de espaço) é a de ser substituível pelo pronome o, que, habitualmente, se considera demonstrativo (Cf. p. 136 da Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Cunha e Cintra).

Em «O assunto é-lhe indiferente», estamos perante um dos casos periféricos, em que o pronome dativo lhe não corresponde, efetivamente, a um complemento indireto, embora, do ponto de vista semântico, lhe possa ser atribuído o papel temático de destino, ou meta, como acontece no complemento indireto típico que encontramos em «O João deu uma prenda à Maria», em que há um objeto (o tema, ou paciente — CD) que se desloca do sujeito (agente) para o CI (beneficiário, destino, ou meta…).

Os usos mais periféricos do pronome dativo estão apresentados na resposta Dativo ético e de posse em português.

No caso em análise, estamos perante um dativo de interesse.

Pergunta:

Estão corretas as classificações que se seguem?

«Abriu a época desportiva» (desportiva — adjetivo relacional)

«Ela é muito desportiva» (desportiva — adjetivo qualificativo)

«Em primeiro lugar vais estudar!» (primeiro — adjetivo numeral)

«Primeiro, vais estudar e depois brincas!» (primeiro — advérbio de ordem ou sequência)

Resposta:

Desportiva

De uma forma geral, poderemos dizer que a classificação indicada é correta, pois há quem defenda que os adjetivos denominais poderão ocorrer quer como relacionais, quer como qualificativos.

Primeiro

Também aqui a classificação avançada é adequada. Se tivermos em conta o Dicionário Terminológico, em «Primeiro, vais estudar e depois brincas!» a designação mais rigorosa para este caso será a de advérbio conetivo, que pode ter o sentido de sequência que se percebe no exemplo indicado.

Pergunta:

Qual é a função sintática do termo «de estudos» na frase «É uma viagem de estudos»?

Resposta:

Embora possamos associar viagem ao verbo viajar, não podemos atribuir a «de estudos» uma função característica desse verbo. Comparemos os exemplos seguintes:

1. «O João viajou.»
2. «A viagem do João.»

Em 2, temos associado ao nome viagem um complemento do nome que provém de um constituinte associado, como argumento externo (sujeito), ao verbo viajar.

Em «viagem de estudos», o grupo adjetival «de estudos» desempenha a função de modificador restritivo do nome, ou de adjunto desse nome.