Edite Prada - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Edite Prada
Edite Prada
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Edite Prada é consultora do Ciberdúvidas. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas, variante de Português/Francês, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; mestrado interdisciplinar em Estudos Portugueses, defendido na Universidade Aberta de Lisboa. Autora de A Produção do Contraste no Português Europeu.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase de Bernardo Soares «estão ligados em música pela mesma intenção melódica», o adjetivo será relacional, ou qualificativo? Penso que seja qualificativo, entre outras razões, por admitir antónimos, poder ocorrer em posição predicativa e ser graduável. Estarei certa?

Resposta:

Tendo em conta a descrição mais geral de adjetivo relacional e ainda o facto de o mesmo adjetivo poder ser usado quer como relacional, quer como qualificativo, poderemos considerar que, neste caso, o adjetivo é qualificativo.

Outras correntes de investigação há, porém, que subdividem os adjetivos relacionais em classificativos e em argumentais. Teriam como ponto central a característica morfológica de derivarem de um nome, mas teriam comportamentos distintos sintáticos. Seguindo esta interpretação, poderíamos considerar que melódica, no contexto em apreço, seria um adjetivo relacional classificativo, ao mesmo tempo que, noutros contextos, seria um adjetivo relacional argumental. Dá-se como exemplo a expressão «construção melódica» na frase «Uma técnica simples de construção melódica», título de um texto do maestro João Camacho (disponível em linha).

Pergunta:

Solicito o esclarecimento relativamente à classificação do adjetivo vencedora, quanto à sua subclasse. Surgiu-me esta dúvida e já ouvi opiniões divergentes, logo não sei como justificar se é relacional ou qualificativo. Não sendo flexionável em grau e aparecendo apenas posposto ao nome, não deverá classificar-se como relacional?

Obrigada pela atenção.

Resposta:

A barreira entre os adjetivos qualificativos e os adjetivos relacionais nem sempre é fácil de estabelecer, até porque, ocasionalmente, um adjetivo relacional pode ser usado como qualificativo.
Em relação a vencedor, vale a pena ter em conta que se trata de uma palavra deverbal (e não denominal, como costumam ser os adjetivos relacionais...) que oscila entre uma utilização como nome («O vencedor é o João») e como adjetivo («A equipa vencedora é a azul»). Mesmo quando pode ser interpretado como adjetivo, assume estruturas sintáticas próximas das que encontramos nos nomes, tendo, por exemplo, uma estrutura argumental reflexo da do verbo de que deriva:


1. «A equipa azul venceu a taça.»
2. «A equipa vencedora da taça foi a azul.»

Note-se que esta estrutura é uma das que permitem identificar o complemento do nome, como nos exemplos seguintes:


3. «Construíram um prédio.»
4. «A construção do prédio foi demorada.»

Se compararmos 2 e 4, veremos que o constituinte que desempenha nas frases 1 e 3 a função de complemento direto assume a função de complemento da palavra que deriva do verbo.
Podemos, nestes casos, questionar-nos sobre a real classe da palavra em causa. Será um adjetivo «puro»? Será um nome com um tipo de construção peculiar que lhe permite ocorrer junto de outro nome, como acontece com os nomes de acidentes geográficos (rio Tejo…)?

Por outro lado, se compararmos este adjetivo com outros também deverbais e com o mesmo sufixo, verificamos que há comportamentos distintos. Veja-se, por exemplo, acolhedor (do verbo acolher). Creio que não temos dificuldade em aceitar acolhedor como qualificativo. Mas já teremos dificuldade em o aceitar com valor nominal…

Pergunta:

Já estive a ler as vossas entradas relacionadas com este assunto e continuo com dúvidas em relação à identificação dos adjetivos relacionais, nomeadamente no que se refere às suas propriedades sintáticas. Um dos "truques" sugeridos para a identificação desta subclasse de adjetivos é o facto de não poderem desempenhar uma função predicativa. No entanto, em enunciados como «O meu amigo Hans é alemão», o adjetivo alemão é relacional e está a desempenhar a função de predicativo do sujeito. Como este, ocorrem-me muitos outros exemplos.

Tenho imensas dificuldades em compreender esta subclasse dos adjetivos e não sei como fazer os alunos do 7.º ano compreenderem...

Obrigada pela ajuda.

Resposta:

Nem sempre é fácil delimitar, ou identificar, o adjetivo relacional, até porque o mesmo adjetivo poderá ser, num dado contexto, relacional e, noutro, qualificativo. Na definição de adjetivo da Infopédia (consult. em 25-10-2012) pode ler-se:

«Os valores relacional ou qualificativo que os adjetivos apresentam pode variar de acordo com o contexto: dantesco é um adjetivo relacional [= de Dante] mas pode ser usado qualificativamente, numa construção predicativa ou atributiva graduável [ex: "história (mais) dantesca (do que)"; "este assunto é dantesco*"].»

No mesmo artigo pode ler-se ainda que os adjetivos relacionais (o negrito é nosso):

«Podem ser traduzidos por uma paráfrase construída com um genitivo do nome de onde provêm (ex.: paterno = do pai; americano = da América);

Podem estabelecer relações de:
a) origem ou procedência (ex.: vinho alentejano, presidente americano, casa paterna)
b) propriedade (ex.: plataforma petrolífera)
c) finalidade (ex.: palácio presidencial, reforma estudantil) etc.»

Se tivermos em conta os exemplos das alíneas b) e c) acima, facilmente verificamos que nem sempre os adjetivos que identificamos como relacionais graças a umas características encaixam bem noutras. Por exemplo, creio que nem todos os falantes aceitariam que «plataforma petrolífera» pudesse ser parafraseada por «plataforma do petróleo» E, todavia, petrolífera, adjetivo provindo de um nome por derivação sufixal, é considerado relacional…

Assim, os adjetivos relacionais:

I  – Do ponto de vista da morfologia, poderemos dizer que:
a) ...

Pergunta:

Em consulta à pergunta Orações adversativas vs. orações concessivas, tive dificuldade de entender a relação de sentido que foi registrada em relação às orações abaixo (reproduzo a numeração que as acompanhava, pois ela será retomada em seguida:

«(6) «Ela era bela, mas, principalmente, rara.» In Nova Gramática do Português Contemporâneo.

[...] há muitas frases em que ocorre, preferencialmente, a adversativa, e outras em que é, mesmo, a única possibilidade, como creio ser o caso em (5), (6) e (7).»

No meu entendimento, mas estabelece uma relação de adição. Sei que devo estar equivocada, por isso gostaria de obter uma explicação que me auxiliasse a perceber essa adversidade registrada como «a única possibilidade».

Antes de encerrar, gostaria de agradecer pela enorme contribuição que vêm dando a pessoas que, como eu, estudam a língua portuguesa e a utilizam como ferramenta de trabalho.

Obrigada.

Resposta:

Fico na dúvida, prezada consulente, se, para si, mas estabelece sempre uma relação de adição, ou se restringe essa interpretação ao exemplo que cita.

Partindo do princípio de que é o exemplo que cita que lhe causa problemas de interpretação, devo dizer, antes de mais, que as frases, ou, melhor, os enunciados, se atualizam em contexto, podendo, à falta dele, como é o caso do exemplo em análise, cada falante imaginar um determinado contexto que atualize ou reformule a interpretação.

Por outro lado, e da mesma forma, as respostas dadas neste espaço nem sempre podem ser interpretadas fora da questão que as desencadeou. E a questão-base da resposta a que os exemplos pertencem insere-se numa tentativa de explicitar em que situações pode uma adversativa transformar-se numa concessiva, ou vice-versa. Nesse contexto, os exemplos (5), (6) e (7)

(5) «O João não foi ao cinema, mas ao teatro.»
(6) «Ela era bela, mas, principalmente, rara.» In Nova Gramática do Português Contemporâneo, p. 580
(7) «Vim, vi, mas não venci.»

não me parecem, independentemente do valor veiculado, passíveis de dar lugar a uma frase complexa em que se estabeleça uma relação de subordinação concessiva em vez de uma relação de coordenação adversativa.

Por isso se diz que nesses exemplos só é possível a adversativa — por não ser possível a concessiva. Talvez uma das razões que impedem o uso da concessiva seja o facto de o sentido veiculado poder não ser o prototípico da adversativa, como é o caso do exemplo (6), que veicula, e aí estamos de acordo, um sentido de adição, ou copulativo. E, por isso, no mundo da coordenação, esta adversativa até poderia ser copulativa: «Ela era bela e, principalmente, rara.»

Pergunta:

Antes de fazer a minha pergunta, quero dizer-vos que vos visito quase todos os dias e que estou muito mais tranquila desde que soube que o Ciberdúvidas não vai acabar.

A minha dúvida é a seguinte: na frase «Empresta-me o teu dicionário, que deixei o meu em casa», a segunda oração é coordenada explicativa, ou subordinada causal? Porquê?

Já consultei respostas do Ciber, o Dicionário Terminológico, quatro gramáticas, alguns colegas... Ainda não consegui decidir-me, embora me incline para a explicativa. Podem ajudar-me?

Obrigada.

Resposta:

Ora aí está, prezada consulente, um bico de obra que está longe de solução consensual. De qualquer forma, seguindo o Dicionário Terminológico (DT), que admite a existência de coordenadas explicativas (contrariamente a muitos estudos e nem todos muito recentes…), o exemplo que apresenta é semelhante ao que ilustra esse subtipo de coordenação no mesmo DT: «O João está com medo, que estou a vê-lo a tremer.»

Uma das razões que nos podem ajudar a decidir se uma dada oração é subordinada causal ou coordenada explicativa prende-se com o facto de, na coordenação, a oração que é introduzida pela conjunção não poder dar início à frase complexa em que se insere («*Que deixei o meu em casa, empresta-me o teu dicionário»), contrariamente ao que acontece com as subordinadas causais.