Filipe Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Filipe Carvalho
Filipe Carvalho
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Mestre em Teoria da Literatura (2003) e licenciado em Estudos Portugueses (1993). Professor de língua portuguesa, latina, francesa e inglesa em várias escolas oficiais, profissionais e particulares dos ensinos básico, secundário e universitário. Formador de Formadores (1994), organizou e ministrou vários cursos, tanto em regime presencial, como semipresencial (B-learning) e à distância (E-learning). Supervisor de formação e responsável por plataforma contendo 80 cursos profissionais.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Nos versos «Eu com um sopro enorme, um sopro imenso/ Apagaria o lume das estrelas», para além de estar presente uma hipérbole, também é possível dizer que há uma metáfora? Pessoalmente, considero apenas existir uma hipérbole. No entanto, o segmento «lume das estrelas» parece uma metáfora.

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

Se se considerar que as estrelas têm lume, então, a expressão «apagaria o lume das estrelas» não contém uma metáfora. A questão prende-se com a química, dizendo os entendidos que as estrelas contêm hélio, sendo este um elemento gasoso que ilumina as estrelas. Se este elemento for considerado “lume”, então não existe metáfora. Caso contrário, estará presente este recurso estilístico, pois considerar-se-ia que haveria uma comparação implícita entre a luz emitida pelas estrelas e o lume.

Pergunta:

O seguinte poema de Camões pode ser considerado como sendo um soneto perfeito?

Como quando do mar tempestuoso
o marinheiro, lasso e trabalhado,
de um naufrágio cruel já salvo a nado,
só o ouvir falar nele o faz medroso,

e jura que, em que veja bonançoso
o violento mar e sossegado,
não entra nele mais, mas vai, forçado
pelo muito interesse cobiçoso;

assi, Senhora, eu, que da tormenta
de vossa vista fujo, por salvar-me,
jurando de não mais em outra ver-me:

minh'alma, que de vós nunca se ausenta,
dá-me por preço ver-vos, faz tornar-me
donde fugi tão perto de perder-me.

Obrigado pela atenção

Resposta:

Trata-se de um soneto perfeito, uma vez que o número de sílabas métricas é o mesmo em todo o poema (decassílabo) e porque há uma sonoridade uniforme, com a acentuação tónica nas mesmas sílabas de cada verso (6.ª e 10.ª sílabas).

O soneto é um subgénero literário constituído por duas quadras e dois tercetos. A variante inglesa é de três quadras e uma parelha. Ou seja, ao todo, o soneto tem 14 versos. Todos os versos devem possuir a mesma métrica. A mais convencional é aquela que tem 10 sílabas métricas (versos decassilábicos ou decassílabos). Os versos decassílabos mais usados são os heroicos (as sílabas tónicas são a 6.ª e a 10.ª), sáficos (as sílabas tónicas são a 4.ª, a 8.ª e a 10.ª) e imperfeitos (as sílabas tónicas são a 4.ª e a 10.ª).

Pergunta:

Acabei de ver numa tradução a palavra bifa, onde o original era "brit" (como na expressão popular inglesa para britânico). Confirma-se que a palavra existe e tem o significado de «[pessoa] britânica»?

Resposta:

Bifa existe na terminologia referente ao calão português, significando pessoa do sexo feminino de origem britânica. A palavra bife, em português, tem origem inglesa (beef, «carne de vaca»). Daí a associação que se fez com um indivíduo de nacionalidade britânica. Se se tratar de alguém do género feminino, o termo, da linguagem popular, utilizado é bifa (o a final é característico da identificação do género feminino em muitos vocábulos portugueses).

Pergunta:

Qual o significado de tragédia, farsa, auto, epopeia e comédia?

Obrigado.

Resposta:

Os géneros literários tradicionais que cita são caracterizados da seguinte forma:

1. A tragédia apresenta um conflito humano, onde a força das paixões se faz sentir, mas em que a intervenção do destino delimita a vontade dos homens. A tragédia clássica é composta por um prólogo e quatro ou cinco atos. Subordinava-se à lei das três unidades, sendo estas a ação, o lugar e o tempo.

2. A farsa é um género teatral com o fito de fazer uma caricatura e crítica à sociedade, geralmente num só ato.

3. O auto é um termo genérico aplicável ao teatro do século XVI; «envolve peças cujo assunto vai do religioso ao profano, do sério ao cómico» (Introdução ao Texto Literário, de Mário Carmo e M. Carlos Dias. Didática Editora. Lisboa, 1978 , p. 163).

4. Epopeia é uma narração em verso de um tema grandiloquente, a que estão ligados feitos heroicos realizados por elementos destacados de um povo, ou pelo próprio povo. A narração começa in media res (no meio da ação), as personagens são humanas, lendárias, deuses e divindades ou fantásticas. A estrutura externa é dividida em cantos, e a métrica pode variar de epopeia para epopeia; porém, na mesma epopeia mantém-se. O número de versos por estrofe varia consoante a epopeia. A estrutura interna apresenta uma proposição (síntese do que vai ser tratado na narração), invocação (apelo a deuses ou divindades para inspirar o poeta para elaborar o poema em estilo grandioso) e narração (relato pormenorizado do acontecimento). Nem todas apresentam a dedicatória (como acontece em Os Lusíadas).

5. A comédia é uma «representação satírica de aç...

Pergunta:

Para fazer o esquema rimático, devo considerar apenas a rima soante, ou também a toante?

Obrigada.

Resposta:

Deve considerar as duas.

Fala-se de rima soante ou consoante quando a correspondência dos sons é completa. A rima é toante ou assonante, quando há conformidade apenas da vogal tónica (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 691; ver também textos relacionados).

Para se fazer o esquema rimático, deve levar-se em conta todo o tipo de rima que exista num poema, excluindo a rima interna. O que está em jogo é a coincidência ou correspondência de sons entre os versos de um poema, tendo em conta as características sonoras de como finalizam (por esse motivo, o esquema rimático terá de incidir sobre a rima externa, e não sobre a interna). A coincidência de sons leva à atribuição de uma dada letra, no final de cada verso; quando os sons se alteram em relação a anteriores e são coincidentes com outros que se seguem, atribui-se-lhes outra letra. Sempre que há mudança de som, há mudança de letra. Apesar de todo o poema dever estar sujeito ao esquema rimático, este processo deve iniciar-se nas estrofes (Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, 17.ª ed., Lisboa, Sá da Costa, 2002, p. 696).

De notar que há versos que não rimam (soltos ou brancos), mas também estes devem estar sujeitos às regras do esquema rimático e deve-se-lhes atribuir uma letra.

A realização do esquema rimático permitirá identificar quais os tipos de rima que o poema possui.