Filipe Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Filipe Carvalho
Filipe Carvalho
17K

Mestre em Teoria da Literatura (2003) e licenciado em Estudos Portugueses (1993). Professor de língua portuguesa, latina, francesa e inglesa em várias escolas oficiais, profissionais e particulares dos ensinos básico, secundário e universitário. Formador de Formadores (1994), organizou e ministrou vários cursos, tanto em regime presencial, como semipresencial (B-learning) e à distância (E-learning). Supervisor de formação e responsável por plataforma contendo 80 cursos profissionais.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria que alguém me ajudasse na análise da figura de estilo presente no 2.º verso do último terceto do poema Prefiro rosas, meu amor, à Pátria, de Ricardo Reis. Aqui deixo o terceto:

«Nada, salvo o desejo de indif’rença

E a confiança mole 

Na hora fugitiva.»

Agradeço desde já toda a ajuda que me puder ser dada!

Resposta:

No verso «E a confiança mole», há a junção de um adjetivo cujo significado normalmente não deveria estar associado ao substantivo apresentado. A confiança é um conceito subjetivo, pode ser interpretado de forma diversa por pessoas diferentes. Por isso é que na antiga terminologia gramatical tinha a designação de substantivo abstrato. O termo «mole» tem um significado que remete para a ideia de sentidos: sabemos que algo é mole quando lhe tocamos. O substantivo de valor abstrato, com interpretação subjetiva, aparece associado a um adjetivo que pertence ao campo semântico dos sentidos. A confiança pode ser abalada, pode não ser grande, mas se for mole, remete para o significado de «fraca», ou seja, para a falta de confiança. Assim, juntar um adjetivo qualificativo que tem um valor específico e que, normalmente, não se associa a um substantivo abstrato, pertencendo, ambos, a campos de significado diferentes, existindo uma transgressão das fronteiras semânticas, contribuindo para a polissemia semântica de expressões, para o aprofundamento da mensagem poética ou literária, para a exigência do exercício intelectual  por parte do leitor, é a função da hipálage**.

* Hipálage «consiste na transferência de características de uma realidade para outra realidade com a qual está relacionada», in Barros, Vítor Fernando. (2011). Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa. Âncora Editora, p. 284.

** «Fumar um pensativo cigarro» é uma hipálage, pois o adjetivo «pensativo» remete para o estado de espírito da pessoa que fuma o cigarro, e não para o cigarro, assim como «mole» remete para outro contexto, e não para «confiança». Na verdade, também poderia ser uma metáfora, pois o argumento apresentado em cima pode ser sem...

Pergunta:

Na expressão «aristocrático pessimismo», qual é o valor do adjetivo?

Resposta:

O adjetivo aristocrático qualifica o substantivo pessimismo. Quererá o enunciador dizer, no contexto em que a expressão foi veiculada, que o pessimismo tem inerentes características snobs ou que há um certo pessimismo característico das pessoas que pertencem a este grupo social.

Pergunta:

Há alguma informação sobre a palavra "namorido" no tocante à sua integração oficial à língua portuguesa?

Resposta:

O termo só se encontra dicionarizado no Brasil. Em Portugal, nos dicionários consultados, não o encontrámos. No país da América do Sul, o vocábulo significa uma «relação não formalizada, mas estável, entre homem e mulher», resultando do caldeamento das palavras namorado e marido. Neste prisma, parece ser um neologismo recente e referente a uma determinada região, não podendo ser considerada, por agora, a sua integração oficial na língua portuguesa.

Pergunta:

Gostava de saber se é possível utilizar o termo reequilibrante em português, p. ex., "Gel de duche esfoliante e reequilibrante". Cumprimentos. 

Resposta:

Apesar de não se encontrar o termo nos dicionários pesquisados, é legítimo utilizar este vocábulo, uma vez que o prefixo re- significa «ação repetida» (Priberam). Assim, reequilibrar significará «voltar a equilibrar», e reequilibrante será o particípio presente deste verbo com valor adjetival. O termo surge em vários anúncios publicitários.

Pergunta:

Diz-se «sequência narrativa por encaixe», ou pode usar-se o termo encaixamento?

Resposta:

Pode usar-se as duas expressões, que são sinónimas e aceites na terminologia literária. O Dicionário Priberam salienta que encaixamento é o mesmo que encaixe.

C. Brémond [C. Brémond: Logique du récit (1973); Sholomith Rimmon-Kenan: Narrative Fiction: Contemporary Poetics (1983); T. Todorov: “Les catégories du récit littéraire”, Communications, 8 (1966)] propôs um sistema para a sequência narrativa, nomeadamente, a alternância, o encadeamento e o encaixe. Da mesma forma, Érica Iracet e Maria Eduarda Giering [Iracet, Érica Ehlers & Giering, Maria Eduarda. (dez. 2015).“O narrar para explicar e o narrar para argumentar em artigos de divulgação científica midiática (DCM) para crianças e adultos: a relação entre a dominante sequencial e o macroato de discurso”, p. 193.  In Domínios da Linguagem, v. 9, n. 5 – ISSN 1980-5799] referem-se a «discursos [...] construídos por meio de encaixamento de sequências narrativas e explicativas ou argumentativas».