Filipe Carvalho - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Filipe Carvalho
Filipe Carvalho
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Mestre em Teoria da Literatura (2003) e licenciado em Estudos Portugueses (1993). Professor de língua portuguesa, latina, francesa e inglesa em várias escolas oficiais, profissionais e particulares dos ensinos básico, secundário e universitário. Formador de Formadores (1994), organizou e ministrou vários cursos, tanto em regime presencial, como semipresencial (B-learning) e à distância (E-learning). Supervisor de formação e responsável por plataforma contendo 80 cursos profissionais.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se me conseguiriam esclarecer a seguinte dúvida. Estava a falar com uns amigos e chegamos a uma dúvida sobre a localização Saldanha em Lisboa. Deveremos dizer «no Saldanha», «em Saldanha» ou «na Saldanha», uma vez que é uma praça. A maior parte das referências dizem «no Saldanha», mas o facto de ser uma localização/praça deixa-nos com mais dúvidas ainda. Obrigado.

Resposta:

Admitem-se as expressões «no Saldanha» ou «na Saldanha», se se considerar como válida a omissão de vocábulos que completam o sentido do enunciado. 

Não é de estranhar, se se disser: «No largo do Saldanha há uma festa.» Da mesma forma, é aceitável afirmar-se: «Na praça do Saldanha existe uma estátua.» A omissão dos vocábulos “largo” e “praça” originam as seguintes frases: «No Saldanha há uma festa» e «Na Saldanha existe uma estátua», respetivamente. 

Da mesma forma, se diz: «Vamos a um restaurante na [praça] Luís de Camões» ou «Vamos ao Camões beber um copo.» 

A omissão também acontece com as ruas: «Ela foi à farmácia da Bela Vista.» 

A expressão «em Saldanha» não parece a mais correta, uma vez que, sendo o topónimo baseado num nome próprio, Saldanha, tendo em conta a regra geral, este termo deve ser precedido por um artigo. Relativamente a estas questões, poder-se-á consultar a obra de José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa. 

Pergunta:

Porque é que animé, empréstimo do japonês (アニメ), que de si é um empréstimo abreviado do inglês (Animation) é apresentado como substantivo masculino quando o sua origem («animação») é feminina? Tenho reparado que o mesmo se passa em espanhol, francês e italiano, mas não encontro uma razão para tal. Não devia animé ser feminino, ou, pelo menos, um substantivo comum de dois géneros?

Resposta:

O animé é uma palavra que vem do japonês アニメ e que já está dicionarizada, sendo considerada masculina. A escolha do género em português poderá ter-se baseado em duas razões: ou porque significa desenhos animados, sendo esta expressão masculina, ou por influência de outras línguas europeias.Pensa-se que este vocábulo japonês tenha tido a sua origem no inglês animation ou no francês animé.

Por outro lado, animação é um nome ou substantivo que vem do verbo latino animo, -are, sendo uma palavra de origem feminina. As palavras portuguesas terminadas em - ção são do género feminino, sendo exceção o vocábulo coração

Pergunta:

Quando falamos de percentagens, frequentemente se utiliza a preposição "de", como, por exemplo, «Ele pagou uma taxa de juro de 2,5%.» e «Uma percentagem de 30% dos alunos gostaria de estudar no estrangeiro.» No caso de querermos responder diretamente à questão «Qual é a percentagem?» devemos utilizar o "de" ou não?

a. A percentagem é de 6%. b. A percentagem é 6%.

Num manual de ensino de português a chineses aparecem as duas construções no mesmo texto e, confrontada com a dúvida, não consegui encontrar explicações que me remetam para uma regra.

Muito obrigada pela atenção e ajuda.

Resposta:

É mais apropriado a frase «A percentagem é 6%.» Repare-se que 6% tem a função de nome predicativo do sujeito e deve fazer a concordância com o sujeito. O verbo ser identifica qual é a percentagem e, por isso, esta não faz sentido estar precedida por de. A preposição procede o verbo ser quando se pretende salientar a origem («O rapaz é de Faro») ou quando se deseja referir à substância («O copo é de plástico»), ou pertença («O lápis é do Luís»). 

A utilização frequente da preposição de nestes casos prende-se com o facto de o vocábulo percentagem costumar vir acompanhado de um complemento do nome, que se situa à direita do nome, regido pela preposição de; por exemplo: «A percentagem de alunos...», «A percentagem de 10%...», etc. Tal acontece, também, com os vocábulos média quantidade: «A média de alunos...», «A quantidade de pessoas...» 

Curioso verificar, num dos exemplos que nos apresentaram, a questão relacionada com a concordância verbal: «Uma percentagem de 30% dos alunos gostaria de estudar no estrangeiro.» Segundo Evanildo Bechara (Moderna Gramática Por...

Pergunta:

Diz-se «a casca de laranja» ou «a casca da laranja», ou ambas as formas estão correctas?

Resposta:

 Ambas estão corretas, apesar de deverem ser utilizadas em contextos diferentes.

A «casca de laranja» é a casca de uma laranja qualquer; «de laranja» marca e foca o tipo de casca («uma casca "laranjeira"), diz respeito a uma ideia genérica. Por exemplo, «a casca de laranja tem propriedades terapêuticas interessantes».

Por outro lado, a «casca da laranja» refere-se à casca de uma laranja específica e, por esse motivo, surge a contração da preposição de com o determinante artigo definido a. Nesta perspetiva, poder-se-á dizer: «A casca da laranja [desta laranja singular] tem uma coloração diferente.» No entanto, também se pode dar uma leitura mais genérica à expressão «da laranja»; neste caso, salienta-se o fruto que se chama laranja e que, entre outros atributos, tem uma casca (daí o uso do artigo definido, que neste caso, marca genericidade); por exemplo: «a casca da laranja é amarga».

Pergunta:

Quando sabemos que a palavra até está exercendo a função de advérbio de inclusão ou está funcionando como uma preposição?

Resposta:

Quando indica limite ou espaço ou quantidade, a palavra até é uma preposição. Exemplificando: «podemos caminhar até aqui»; «o espetáculo dura até amanhã»; «estamos a pensar ir até ao Gerês»; «o pavilhão alberga até 3000 pessoas».

Se existir uma ideia de inclusão – «puseram tudo em cima da mesa, até o computador» –, está-se perante um advérbio.

N. E. (4/10/2016) – Sobre a classificação de até no quadro na terminologia e no quadro de análise adotados no ensino não universitário, entendeu o consulente João de Brito enviar algumas observações críticas, que agradecemos e a seguir se transcrevem:

«Advérbios e preposições são classes tratadas muito superficialmente, ATÉ incorretamente, pelas gramáticas. Começando pelos termos e tolerando a sua natureza espacial, verificamos que, se o ADvérbio se adequa à relação com o verbo, já a PREposição é uma mentira, porque, de facto, ela é sempre, explícita ou implicitamente, uma INTERposição. Passando à resposta, é para nós claro que, nos exemplos dados, o ATÉ é sempre ADvérbio, porque, acima de tudo, modifica a significação do núcleo do predicado (verbo) da frase (oração) de que faz parte. Já seria preposição, se, em vez de “…estamos a pensar ir ATÉ ao Gerês…”, nós estivéssemos a pensar…ir de Braga ATÉ ao Gerês. Aqui, sim, já não modifica, em primeira mão, o núcleo do predicado (verbo), mas marca o percurso entre dois pontos. No primeiro caso, temos um destino; no segundo, temos um trajeto. Numa expressão matemática, seria assim: …ir + até ao Gerês… vs. …ir + (de Braga até ao Gerês)… 2.” Se existir uma ideia de inclusão – «puseram tudo em cima da mesa, até o computador» –, está-se perante um advérbio.” Parece estranho, ATÉ espírito de contradição, mas este advérbio significa exclusão e não inclusão. O c...